Agosto 02.2007 (quinta-f.) - Em Natal
Chegámos ao Natal e eram 3 da manhã. O aeroporto era tímido e pouco sofisticado o que indiciava uma cidade ainda não submergida por turismo. As caixas de débito não funcionavam e decidimos alugar um carro: um Fiat, modelo único no Brasil alimentado a bio-diesel.
Na Av. Ayrton Senna as prostitutas (maioritariamente homens com protuberantes náldegas) e armazéns de venda de automóveis alinhavam-se na beira de inexistêntes passeios para a procura de clientes. Tinha ideia do Natal como uma cidade organizada e de médio tamanho. Enganei-me ! Era caótica e grande. Toda a área que circundava o centro antigo, sobretudo a área costeira do Atlântico, Ponta Negra e Praia dos Artistas, era sobretudo agreste e defensiva: torres pontuam o horizonte sem particular ordem, contruções inacabadas repetem-se, barracas alinham-se na beira das estradas, lotes de especulação mobiliária esperam por investidores que teimam em não aparecer...
Talvez por ser época baixa no turismo e por ser de madrugada a cidade parecia-me assustadoramente abandonada; impressão que não mudou na manhã seguinte.
Ficámos na única pousada perto do mar que encontrámos disponível áquela hora. O quarto tinha uma única janela que abria para o saguão do ar condicionado e cheirava simultaneamente a mofo e algodão doce. Estranha combinação...
Quando acordámos a dinâmica naquela gente já se fazia sentir. E o nosso primeiro dia devería ser dedicado a burocracias e a mapear a cidade, particularmente um banco onde pudessemos trocar os nossos travel cheques, um internet café e um novo hotel no centro antigo de Natal. Queríamos saír desta área o mais breve possível e ír para o centro antigo.
Por razões estratégicas de defesa, exposição e control a cidade do Natal foi fundada no outro lado da península, na parte alta adjacente ao rio Potengi, chamada “cidade alta”. Dali a vista era contínua desde o mar ao rio. Hoje, uma massa compacta de edificações interrompem essa ligação visual, deixando somente ruas e autoestradas manterem essa relação. Foi para a cidade alta que nos dirigimos e, contrariamente ao que era suposto não haviam nenhuma “cidade baixa”. Esta chama-se “Ribeira” onde outrora barcos, comerciantes, espectáculas, feiras, mercados, mansões e visitantes de todo o mundo coexistiam num vibrante dia-a-dia. Assim foi como nos relatou o Sr. Pedro, um senhor de 70 anos responsável pelo manutenção do Teatro Alberto Maranhão, nome importante dos tempos da Republica e do Rio Grande do Norte. Na Riberia, exceptuando alguma actividade piscatória, somente este Teatro se mantém activo. O resto são carcaças de casarios que, orgulhosamente perpetuam a imponência dos senhores que as habitaram e, hoje seguram as raízes da vegetação que, teimosamente, desafiam os princípios da gravidade e do previsível.
A cidade (na sua escala metropolitana parecia-nos) dividida em duas areas muito distintas: a cidade alta (centro antigo) e a area de expansão para sudoeste, onde, como dizem , os “gringos” passam as noites e os dias nas praias e restaurantes. Uma estranha e gigantesca duna (reserva ecológica) divide a cidade. O cenário muda completamente ao atravessarmos este área: arida, ventosa e inabitada. Parece um lugar enfeitiçado, que permaneceu imutável e inacessível. Por breves momentos lembro-me do final de “ 100 anos de solidão” de GG Marques, quando a cidade foi engolida por uma tempestade de areia, apaziguadora da sua miséria e infortunado destino. Penso nesta duna como um simbolo de glória mas também de ameaça, como se de repente pudesse ganhar vida e vontade em refazer Natal na sua glória, vitalidade e igualdade social.
Eram 10 horas da noite e estavamos cansados. Ao caminhar de volta ao hotel, agora localizado no centro, reparámos o quanto 4 praças se sequenciavam ao longo do eixo primordial, na linha de festo da cidade alta: Praça Augusto Severo, Praça 7 de Setembro, Praça André de Albuquerque e Praça João Tiburdo. Todas tinham nomes dos tempos republicanos mas, aparentemente, com distintas funções na cidade. Parecia que a estruturação de Natal se concretizou através de uma série de largos e praças ao longo da Ave Junqueira/ Rua Pinto R. Pe, ao longo do Rio Potengi, numa linha paralela ao pôr do Sol. Esta parecia uma estratégia de organização espacial eficiente, dramática e criativa construída desde a fundação da cidade que, apesar dos diferentes ciclos de crescimento e actividades, mantêm-se integradas na dinâmica espacial e funcional do viver quotidiano em Natal.
Esta revelação foi importante para nós já que indiciava espaço público como o catalizador qm redor do qual a cidade foi organizada com diferentes funções e importância. O dia seguinte tinha de ser dedicado à procura de pistas que indiciavam esta intuição.
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