Monday, October 1, 2007

01.10.2007 - Apresentação Pública na Câmara Municipal de Matosinhos

" Quadrícula Emocional - Apontamentos para um Urbanismo Endémico (Natureza, Arquitectura e Infra-estruturas) na fundação das cidades Atlânticas do Séc. XVI"


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Saturday, September 15, 2007

Quadricula emocional

Emotional Grid - Hybrid Urbanism between Architecture and Nature of the XVI century Portuguese Atlantic cities. This blog documents the research trip of the Prémio Távora 2007. As the recipient, Silvia Benedito, will travel to Brazil, Madeira and Azores to investigate the portuguese modus of producing urban form as a hybrid articulation between Architecture and Nature. A presentation Lecture of this research will be held in Oporto on the first of October, the International day of Architecture.
Cabral, Sebastiao-Rio da Prata-1660-1730

Monday, September 3, 2007

o retorno

Voltei e já estou em NY. Infelizmente não consegui actualizar o blog pois ou tornou-se imprevisível encontrar cyber cafés (alguns inexistentes, outros cheios de jovens persistentemente no chat) ou devido ao cansaço das longas caminhadas pelas cidades que visitámos. Os dias passaram-se muito rápido e as noites chegavam muito cedo também...
A solução foi mesmo o meu laptop e nele as histórias foram-se acumulando.
Nestes próximos dias vou transferí-las para aqui. Espero que tenham tempo de as ler já que o entusiasmo e a inspiração desta viagem as tornou longas e detalhadas.
Obrigada,
slv

Friday, August 31, 2007

31.08.2007 (Quinta-f) - De regresso a NY, para a minha casa.

Thursday, August 30, 2007

30.08.2007 (Quinta-f) - De Ponta Delgada para Lisboa. Final da Viagem

Hoje era o meu último dia em Ponta Delgada. Queria tentar ir à “torre” para ver a cidade de cima e assistir mais uma vez à relação desta com a paisagem circundante. As linhas perpendiculares ao mar decalcavam a paisagem construída e natural, interrompidas aqui e ali para dar lugar a pequenas tufos de árvores e pedras.
Havia algo de muito poético e equilibrado nesta cidade, nos seus espaços públicos e na sua arquitectura. São de uma imensa sofisticação que é contida e controlada. As pessoas são de uma generosidade imensa e curiosas. Sabia bem estar em Ponta Delgada...
No caminho passei pelo mercado. Diferentemente do mercado do Funchal este era maior em área mas menos activo. Uma comerciante disse-me que os dias de maior actividade eram à quinta-feira, sábado e segunda-feira. Estranhamente também não haviam turistas a circundarem... Haviam ananases em abundância e algum peixe nas bancas sem ser capaz de os identificar. Queria andar pela Rua Valverde e deparei-me com o gabinete de arquitectura da cidade. Entrei por curiosidade e acabei por conhecer o Arq. Albano. Na parede do seu escritório pendurava uma planta da cidade em que topografia, orografia, divisões latifundiária e o tecido urbano se sobrepunham. Parecia um rendado de extrema complexidade e artesania à altura dos “etchings” de Albrecht Durer: a Natureza e a mão do homem a produzirem uma “peça” de elevado valor plástico. Disse-lhe que estava interessada na história esquecida de Ponta Delgada, sobretudo a sua relação com uma Ribeira que parece somente existir nas descrições de Gaspar Frutuoso. Albano disse que não só Ponta Delgada tinha uma ribeira como também as outras cidades ao longo da costa Sul. Todas apresentavam o modelo de desenvolvimento ao longo de uma das grotas, onde a Igreja se localizava primariamente com a presença ou não de um poço ! Em Ponta Delgada esta ribeira tinha desaparecido inversamente às outras ribeiras das outras cidades, mais representativas em dimensão e caudal...

Passei o resto das minhas horas a caminhar pela frente mar e pela Rua Valverde, outrora a Ribeira de Ponta Delgada. Em vez do Ribeiro tínhamos agora a nossa bela e performativa calçada portuguesa. Na minha cabeça mais questões do que respostas giravam. Pensava no dia que abalei de NY, havia precisamente 30 dias e na extensa informação acerca de cidades que tinha acumulado até então. Esta viagem foi como que um ciclo da minha identidade que se fechou. Neste último dia ao despedir-me de Francisco ele falou-me que a origem do sotaque açoriano tinha vindo maioritariamente pela presença numerosa de algarvios nas ilhas, donde sou originária! A sua presença deveu-se à sua mestria e conhecimento na produção de açúcar. Tal como Andaluzia, os Algarves foram os últimos redutos a serem conquistados aos mouros e os grandes bastiões de produção de açúcar. Ao ler Stuart Schwartz confirmei que o Algarve era um dos principais pólos de produção de açúcar no início do séc. XV. Sendo na altura considerado o “ouro branco” da aristocracia depressa Portugal necessitou de expandir a sua produção. Primeiramente na Madeira e Açores e depois, massivamente, no Brasil. E, foi assim que tudo começou...

Wednesday, August 29, 2007

29.08.2007 (Quarta-f) - Em Ponta Delgada

Fui cedo ao Arquivo de Ponta Delgada. Aquando na minha visita à Biblioteca Nacional em Lisboa não tinha conseguido encontrar mapas antigos da cidade onde pudesse identificar a estrutura inicial da cidade. No Arquivo tive oportunidade de conhecer o Historiador e responsável pelo Arquivo Dr. Francisco Silveira que, amavelmente, me guiou pela colecção de mapas antigas e de fotos antigas de Ponta Delgada. Estranhamente nada indicava a presença de ribeiros na cidade e parecia que toda a relação entre água estava ausente da história excepto na sua relação com o mar e alguns chafarizes comemorativos. Tinha encontrado um mapa com todas as linhas de água da ilha, chamadas “grotas”. Estas intensificavam-se perto das bocas dos vulcões e as linhas marcadas no território povoado, que tinha visto quando sobrevoava a ilha, apareciam em consonância com essas “grotas”.

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Porém nenhuma destas linhas parecia existir em Ponta Delgada. Francisco aconselhou-me a falar com alguém da Universidade, do Departamento de História, pois talvez encontrasse informação mais pormenorizada. Tal como o Funchal, Ponta Delgada era uma cidade de dualismos. Enquanto que Funchal se articulava entre o rural e o urbano, Ponta Delgada articula-se entre as funções económica e sociais de mercadores e nobres, entre o mar e a terra. Os poderes das elites, do sangue e do saber tinham imposto normas de divisão latifundiária na cidade que ainda se reflectem na sua forma urbana. Acreditava que não só a topografia e a orografia tinha sido determinantes na sua urbanidade mas também a sua estrutura social e económica tinha tido um papel fundamental. Acabei por me encontrar com o Prof. Damião Rodrigues, autor de múltiplos livros em exibição da Biblioteca da Universidade. De uma energia contagiante e sabedor profundo da história da cidade disse-me que iria em breve ao Brasil. Contei-lhe a minha viagem; Dos meus 22 dias por terras brasileiras à procura da matriz genética da sua fundação, da articulação entre Natureza e construído; tarefa que se tem revelado complexa e cheia de surpresas. Começou dizendo-me que a presente estrutura urbana de Ponta Delgada era muito semelhante à do séc. XIX.
Que económica e socialmente tinha como base de riqueza a relação entre mercadores e o termo rural. Que era uma portuária (não marítima) e agro cidade em que somente os nobres tinham estatuto social reconhecido. Por não ser uma cidade marítima não tinha um bairro de pescadores mas sim de mercadores, mas sem a escala de uma Amesterdão ou Londres. Falei-lhe que tinha lido em Gaspar Frutuosa acerca de uma ribeira que cruzava Ponta Delgada e da potencial relação da estrutura urbana da cidade com esta. Ele finalmente tinha confirmado o que Gaspar Frutuoso tinha escrito acerca de PD no séc. XVI: que na antiga Rua do Valverde, hoje Rua M Correia, nas costas da Matriz, existia uma Ribeira ! Finalmente tinha conseguido a confirmação da leitura de Gaspar Frutuoso.
Passei o resto da tarde a andar pelas ruas compridas de Ponta Delgada. Estas começavam onde hoje é a Rua dos Mercadores em direcção aos Outeiros da cidade. E ao longo destas diversas residências, com seus muros janelas alinhavam-se para produzir o dramático ponto de fuga. A inclinação suave impedia de ver o seu terminar. A Rua do Castilho, a rua Dr. Bruno Carreiro, Carvalho Araújo, Pedro Homem, Dágora, dos Manaiais, Joao Moreira... afunilavam-se em torno da praça da Matriz. Nesta crianças brincavam enquanto os poucos turistas da cidade e residentes bebiam cerveja na esplanada do café. Ali parecia o centro de convívio da cidade e o ambiente era propício a estar.Tinha avistado o maior edifício da cidade, um prédio de 23 andares perto da beira-mar. Nesta múltiplos bulldozers puxavam materiais de construção enquanto navios de elevado porte iam e vinham do cais . Ponta Delgada está aumentado a capacidade do seu porto e reestruturando a sua frente mar através do projecto “Portas do Mar”. Contrariamente ao que alguém dizia não achava que Ponta Delgada estivesse de “costas para o mar” pois toda a sua actividade comercial, desde tempos de fundação, tinha sido em estreita relação com o cais como aliás denuncia a forma urbana desta área. Este projecto da frente marítima parece estar a reforçar esta relação agora potencialmente de lazer e comercial.Talvez no dia seguinte conseguisse ir à “torre” de Ponta Delgada. De lá a vista deveria ser magnífica...

Tuesday, August 28, 2007

28.08.2007 (Terça-f) - Ida do Funchal para Ponta Delgada

Hoje abalaria para Ponta Delgada às 15.00 h numa viagem que duraria menos de 1 hora. Antes de abalar ainda queria visitar o Mercado do Funchal, chamado Mercado dos Lavradores. Apesar do seu nome existia imenso peixe: atum, lulas, peixe espada, polvo, lapas e sardinhas... Era um edifício do Estado Novo e estava localizado no centro, adjacente à Ribeira de João Gomes e à, outrora, Rua Nova de Sta. Maria hoje Rua Latino Coelho.
Gosto de andar por mercados pela sua dinâmica, energia, cheiros, produtos e pessoas... Mercados falam muito acerca de cidades, do seu lado económico, demográfico e produtivo. Muito dos produtos produzidos no Funchal são vendidos neste mercado e parece que toda a gente se reúne aqui para abastecimento das suas casas. Um dos vendedores (que também produz) falava do quando produtos vindos de fora estão agora a invadir o mercado local pelos seus preços mais baixos. Ironicamente, quase localizado em frente ao Mercado, situa-se o Novo centro comercial onde se instalou um Pingo Doce.
No mercado as pessoas aglomeram-se para ver a venda do peixe, velhos jogam às cartas nas escadas, os vizinhos falam sobre os negócios que parecem mais escassos e os turistas clicam aqui e ali para cenas que lhes parecem exóticas. O mercado parece o lugar de convivência matinal onde toda a gente se encontra, uns compram, uns saciam a curiosidade e a necessidade de simplesmente ver gente. Os frutos e os legumes penduram-se nos beirais das bancas e expõem-se em cestas de vime; enquanto isso os cães pegam pedaços de ossos oferecidos por quem passa. Turistas passam e tiram fotografias de frutos exóticos expostos e os vendedores oferecem pedaços para saciar a curiosidade. Uma espécie de Bazar, o mercado é uma estrutura de convivência por natureza, e um dos bastiões da vida económica e cultural da cidade.
Queria voltar ao bairros que tinha visto do teleférico. Subi a Rua Visconde de Anadia, paralela à Ribeira, e reparei numa tapeçaria bordada com uma paisagem do Funchal do séc. XVI. Neste a dualidade entre o rural e urbano estava representado.
Nas encostas as residências organizavam-se por socalcos e assomam-se para o vale olhando sobre os seus quintais feitos de bananeiras, estrelícias, vinhas, legumes e frutas. Entre aquelas os quintais oferecia a exuberância das cores, cheiros e texturas e passagens alinhados por vasos de flores e ervas aromáticas ofereciam acesso aos residentes. Nestas mulheres regavam as suas plantas. Os acessos aconteciam por íngremes escadas e por cada lanço de escadas cada residência acomodava 2 pisos incluindo o quintal, posicionado ou para a frente da rua ou para seu acesso. Tal solução não só oferecia privacidade como também permitia articular os acessos daquela acidentada topografia. No final do 1º lanço outra residência começava. Era uma solução criativa que obrigava a inexistência de carros. Este bairro parecia uma mat-estrutura na qual era difícil identificar os limites do que era casa ou jardim. Parecia um ecossistema que estava encrostado com o terreno oferecendo simultaneamente as vistas para o vale e a porosidade para a vegetação se exibir. As 3 filas de casas venciam aproximadamente 20 metros de altura. Mais uma vez lembrei-me das tipologias de Olinda e Santos que observei no Brasil.
Era tempo de abalar para o aeroporto. O táxi seguia gentilmente pelas curvas da encosta e de lá o mar era imensamente azul. Ao longe, uma parede escura de basalto rodeada por densa neblina lembrava-me da existência da Ilha das Desertas.
Não consigo imaginar como se aterrava no aeroporto antes da extensão da pista; “os aviões começavam a travar no ar antes de aterrar” dizia o taxista.
O dia estava lindo, o céu cristalino e uma brisa suave entrava pela janela do carro.
Quando o avião levantou da pista o mar estava vertiginosamente debaixo dos meus pés.
No céu as nuvens parecem arranha-céus que se estendem perpendicularmente ao mar. Parecem múltiplas Manhattans brancas que se posicionam esparsamente no céu em marcha, como nós, para Ponta Delgada. Do ar consegui ver a costa de São Miguel e, contrariamente à Madeira, a sua paisagem não era tão acidentada.
Outeiros formavam-se aqui e ali em inclinações ligeiras até ao mar e em padrões de distintos verdes. Do céu consegui ver as diferentes vilas e cidades ao longo da costa: Povoação, Ribeira Quente, Ponta Garça, Vila Franca do Campo, Lagoa e, finalmente Ponta Delgada. Curiosamente tinha notado que em todas aquelas vilas e cidades havia uma estrutura sistemática no tecido urbano de caminhos perpendiculares à costa. Tal como o movimento da água a cidade também escorria em direcção ao mar maximizando a exposição Este-Oeste. O que estava a estruturar esse sistema ? Eram linhas de água, topografia, limites fundiários ?
A residencial, localizada numa dessas linha paralelas ao mar (Rua Dr. Bruno Tavares Carreiro), era imensamente confortável lembrando-me que estas eram a duas últimas noites antes da partida para NY. O quarto cheirava a flores sem a presença delas e da janela o branco das paredes contrastava com o escuro das telhas. As nuvens pareciam carregadas e ao mesmo tempo indecisas entre o cinza escuro e o branco marfim. Tal com alguém dizia “nos Açores temos as 4 estações num só dia”.


Inversamente à Madeira, os Açores nunca foram prósperos na industria da açúcar. Em vez de açúcar a cultura predominante foi o pastel, trigo e mais tarde laranja, vinha, chá e tabaco. Porém, foram as boas condições naturais do seu porto e a sua posição estratégica em relação às rotas nacionais (Oriente e Brasil) e estrangeiras que veio determinar o carácter mercantil de Ponta Delgada. Como prova disso foi a construção imediata do edifício da Alfândega a par com a construção da Matriz. Em vez de uma sociedade agrária tínhamos uma economia de mercado, híbrida entre o negócio com a propriedade fundiária. Como Gaspar Frutuoso nos relata haviam muitos “homens nobres e poderosos”, sobretudo mercadores que buscavam nobilização através da árdua tarefa de aquisição fundiária.
Fui ao terraço da residencial para ver a paisagem circundante e notei na existência de variados morros a norte da cidade. Dali uma encosta inclinada adoçava-se suavemente em direcção a mim. Como uma pauta musical as linha marcadas no terreno formavam uma armadura ao longo da qual as ruas se desenvolviam até ao mar.

Tinha lido que o desenvolvimento de Ponta Delgada ocorreu ao longo do mar, paralelo à costa, ligando o inicial núcleo do povoamento com as outras funções da cidade. Porém não vejo este factor como identitário da cidade já que em muitas cidades o mesmo aconteceu. Penso que é precisamente na direcção oposta (perpendicular ao mar) que reside a excepcionalidade de Ponta Delgada. É nesta convergência das ruas perpendiculares ao mar que a Matriz e a Praça se encontram, o centro cívico e espiritual da cidade; que também era infra-estrutural !
A relação com a Natureza é muito distinta da observada no Funchal. A Natureza em Ponta Delgada é mais meditativa mas simultaneamente mais minimal e intensa em momentos particulares. A topografia suave e a orografia interagem subtilmente definindo a matriz geradora do carácter de Ponta Delgada iniciado no final do século XVI. Teriam os núcleos urbanos, já em desenvolvimento no Brasil, alguma influência no entendimento da orografia como elemento estratégico na estruturação urbana, tal como se assistiu em Santos, por exemplo ? Diferentemente ao que acontecia no Funchal, Ponta Delgada não era muito rica em água pois os terrenos eram porosos e fácil absorção. E, por isso as fontes e cisternas existentes mereciam o nome para ruas até ao século XIX com o aparecimento da água canalizada.... Amanhã seria o dia para decifrar esta suposição.

Monday, August 27, 2007

27.08.2007 (Segunda-f) - Em Funchal II

De manhã queria ir à Biblioteca Municipal e à DRAC para tentar encontrar cartografia e textos que me pudessem elucidar acerca da evolução urbana da cidade, sobretudo na sua relação com agricultura doméstica. Queria ver quando a articulação entre o rural e o urbano tinham acontecido. Curiosamente, a planta de Mateus Fernandes do séc. XVI já identificava uma série de tipos de espaços não construídos na cidade: as hortas, as vinhas e caniçais. Estes espaços verdes tinham a mesma presença no desenho do que os espaços construídos sugerindo uma relação produtiva entre estes. Penso que esta qualidade endémica do desenvolvimento urbano da cidade do Funchal ainda persiste, sobretudo nas tipologias residenciais.
Já na DRAC fui apresentada ao Historiador Alberto Vieira. Este também se interessava intelectualmente pelo cultivo do açúcar como motivador das transformações físicas do Funchal. Disse-lhe que recentemente tive conhecimento de que a produção do açúcar tinha motivado a colonização no Brasil e da evolução urbana da Madeira. Como era de esperar Alberto já tinha lido o livro de Stuart Schwartz, “Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society” enquanto eu estava no seu fascinante começo.
Falei-lhe de quanto eu achava o Funchal híbrido: entre uma cidade rural e urbana. Concordou dizendo-me que desde da sua génese tem havido uma invasão do espaço rural no espaço urbano e vice-versa. O núcleo inicial do Funchal tinha sido na zona velha motivado por mercadores e imediatamente adjacente a estes blocos estavam organizadas terras para produção agrícola. Esta relação próxima com o rural já vinha nas descrições de Gaspar Frutuoso e identificada no Mapa de Mateus Fernandes, ambos do séc. XVI. Tal como no documento descrevia: “ O tecido urbano, como em parte ainda hoje, encontra-se impregnado de terrenos de hortas, vinhas e canas, que se estendem pelos subúrbios à mistura com terrenos de cultura de cereais....” Esta descrição parece ainda presente nos dias de hoje mantendo presente matriz genética que deu origem ao Funchal.

Na parte da tarde tive oportunidade de conhecer a Arquitecta Diva, também da DRAC. Como estava particularmente interessada em tipologias residenciais parecia-me importante falar com ela. Do seu escritório dava para ver o pátio do edifício donde trabalhava. Disse-lhe o quanto tinha ficado fascinada pela recuperação do Mosteiro de Sta Clara. Entrei no Mosteiro por acaso. Seguia a parede da Rua das Cruzes e o portão de serviço abriu-se deixando-me entrar. Desde da horta, aos pátios, Igreja, Capelas, altares e pinturas tudo parecia cuidadosamente restaurado. Percebi que esta deveria ser a sua obra na qual tem estado a dedicar muitos anos.
Quando lhe perguntei acerca dos jardins e hortas das tipologias residenciais disse-me que “toda a gente gosta de cultivar flores e frutos nos seus quintais. Aqui é muito estranho uma família que não tenha um quintal... estes quintais também ajudam a articular-se com os declives.”
Falou-me que nem só os mercadores tinham terras agrícolas. As ordens religiosas, mais precisamente as Clarissas tinham grandes quarteirões para cultivo. Os interiores dos quarteirões, mais tarde delimitados por construções acabaram por definir manchas verdes na paisagem urbana. Estes, mais tarde, acabariam por ser integrados por questões económicas na própria tipologia residencial na forma de quintais. Ter um quintal era um bem para produção de vegetais, frutas e flores, sobretudo se fosse imediatamente adjacente já que a topografia fazia qualquer acesso complicado.
Falou-me dos artificies e dos mercadores; dos barcos e navios que atracavam no porto; de Gonçalves Zarco e da infortunada sorte das filhas mais novas da nobreza que, sem dotes as suas vidas acabariam em conventos. “Sorte mas também segurança” dizia...
Tinha de observar de mais perto tipologias em que as condições topográficas fossem mais dramáticas e entender como os quintais/hortas se articulavam. Enquanto na minha viagem no teleférico reparei num bairro adjacente à encosta perto do viaduto na Rua da Ribeira de João Gomes. Tinha de o visitar no dia seguinte já que estava ficando escuro. Em vez das cores tinha agora os cheiros libertados com o pôr do sol. A noite oferece-nos a porosidade da paisagem urbana em forma de um picotado fluorescente. Os verdes tornam-se no escuro que não fala e a luminescência das janelas dizem-nos onde está habitado. Parecia-me um plano nolli visto da vertical !

Sunday, August 26, 2007

26.08.2007 (Domingo) - Em Funchal I

De manhã a cidade estava silenciosa. Nem os sinos de nenhuma Igreja conseguia ouvir. Parecia que toda a vegetação em redor alcochoava algum som produzido. Era como se estivesse num anfiteatro coberto por esponja. O som era aveludado deixando somente os pássaros e insectos manifestarem-se nos seus precisos tons.
Queria ir ao museu da cidade. Talvez aí pudesse encontrar alguma da história acerca do Funchal. Acabei por chegar ao Museu de História Natural onde a Biblioteca Municipal se encontrava, Infelizmente, fechada. Mas tive oportunidade de ver o aquário e os animais embalsamados, espécies endémicas da Madeira. Tenho uma estranha relação com os Museus de História Natural. Lembram-me os desejos de conquista pelo exótico, do perpetuar de um momento, da imaginação motivada pelo desconhecido... Os animais alinham-se nas suas poses “naturais”, como se estivessem a atacar, a nadar, a voar a comer em herméticas caixas de madeira e vidro. Tudo parece parado no tempo. E o próprio museu também parece embalsamado. Parecia uma pintura de Natureza morta que imitava o vivo da mesma... Complicado mas fascinante.
Segui pela rua de Sta Catarina, onde no seu cimo havia um miradouro. Neste percurso alguns jardins residenciais formavam um espaço de transição entre a rua inclinada e o espaço privado da casa. O jardim era definitivamente o espaço mediador no qual flores, legumes e árvores cresciam. Portanto era infra-estrutural e produtivo ! A presença de pátios, jardins e quintais nas tipologias residenciais parecia omnipresente no Funchal, lembrando-me da descrição por Rui Carita da Planta de Mateus Fernandes de 1570. É frequente encontrar nas ruas do Funchal diversas tipologias residenciais em que o jardim, horta ou quintais são parte integrante e característica da mesma. No meu entender são estas tipologias que conferem à cidade a sua porosidade, permitindo que o verde a invade. Estas tipologias são performativas e simultaneamente infra-estruturais e a sua presença na paisagem do Funchal é de fundação. Acredito que este é a matriz genética do Funchal é mais próxima da terra do que do mar, mais “verde” do que azul, mais produtiva do que qualquer cidade que até agora visitei. E talvez por isso somente exista o Mercado dos Lavradores... Resquícios deste modus operandi também se reflectia na formação da paisagem urbana de Santos e, sobretudo, na de Olinda. Penso importante reflectir no papel do “chão” no urbanismo de hoje em dia através das suas qualidades produtivas e infra-estruturais. No modernismo houve uma separação com o “chão”em paralelo com a separação das funções. Houve um entendimento pragmático da cidade anulando a criatividade associada a co-existências, tal como o viver+produzir. Ao ver estas tipologias reparo que esta articulação funcional possibilitou a complexidade desta tipologia que se articula em simultâneo no “chão” onde assenta ao mesmo tempo que produz alimentos para consumo próprio. O jardim transforma-se numa outra “divisão” da casa que é o espaço de transição, produção ou, simplesmente deleite. Na visita ao Convento de Sta. Clara a irmã Gabriela dizia-me que “toda o madeirense gosta de flores !”
Quando a Madeira foi colonizada desde cedo foi entendido o seu potencial para o cultivo e exportação. A terra é muito fértil, existe muita água e madeira, porto de boa capacidade, ar húmido e temperatura constante. A sua localização também expunham a Madeira ao comércio do Mediterrâneo. Sempre cobiçada a Madeira tinha sido alvo de muitos saques durante a sua história. Hoje o turismo impõe pressão na cidade e a porosidade do tecido urbano parece ameaçada por blocos que os construtores procuram maximizar. No centro um projecto de Ricardo Bofill toma o bloco por completo para a construção de um complexo residencial e comercial, ao meu ver, sem níveis suficientes de porosidade. E, não é só plantarem-se muitas árvores que o projecto “actua” como verde !
Caminhei de volta pelo cais da cidade até à Zona Velha. Ali encontrei o “Story Center” da Madeira onde, por surpresa minha revelavam os múltiplos meios de transporte da ilha. A necessidade em carregar produtos e pessoas tinha produzido uma série de diferenciados transportes. Mas, inversamente a Salvador, onde os transportes foram essenciais na evolução da cidade, aqui pareciam existir esparsamente pela cidade perto das encostas dos montes a uma escala mais pequena. Excepcionalmente as “Levadas” são uma infra-estrutural hidráulica incrível que existem nas montanhas do interior da ilha. Estas permitem uma distribuição racional e controlada da água por toda a ilha que ao mesmo tempo fornecem caminhos pedonais que ligam as diversas vilas. Quando saí do “Story Center” já era tarde e a noite já se anunciava. Da Marina os cantores que animavam as festas turística tentavam o seu melhor e faziam-no energeticamente demais para mim. Caminhei de volta ao hotel e agarrei jantar pelo caminho...

Saturday, August 25, 2007

25.08.2007 (Sabado) - Ida para o Funchal

Voei do novo Terminal 2 do Aeroporto da Portela destinado a voos internos de curto trajecto. Decerto vai aliviar o Aeroporto considerando a pressão do Verão por motivos turísticos.
O voo durou 1.5 horas. Ao meu lado uma criança de 6 anos estava sentada e irrequieta. É uma óptima distracção. As suas pernas não paravam no mesmo sítio, as suas mãos tocavam em todos os botões e impressões, queria comer o que não tinha e beber o que não havia; acabou por dar uma só dentada na sanduíche que a hospedeira lhe deu e beber um golo de água. Era do Funchal mas não tinha o sotaque da Madeira. “Passa imenso tempo em Rio Maior” disse-me a mãe que lhe ordenava a todo o minuto a fechar os olhos para dormir...
No público lia uma notícia acerca de Silves. Surpreendentemente tinha havido um ataque de um grupo ecologista (Verde Eufémia) à plantação de milho transgénico que se tem vindo a desenvolver na minha (outra) terra ! Que combinação estranha esta: milho transgénico em Silves.... Na cidade onde se cultivam as melhores laranjas do país sem a intervenção da ciência, somente pela qualidade do solo, do sol e da água...
Surpreende-me também o facto de haver um movimento activista, que escolhe a acção directa para se manifestar, em Portugal. Tenho como impressão que os Portugueses, infelizmente, não têm tradição de manifestar activamente as suas convicções. No artigo é citado o sociólogo francês Le Goff de uma entrevista sua em 2003 à revista Technikart acerca dos novos activismos anti-globalização: “ existe nesta sociedade asfixiada uma demanda muito forte de paixão e de intensidade”. Penso que esta frase é soberba...
Quando chegamos ao Funchal uma imensa mancha verde foi-me revelada. Essa começava de um verde escuro, imerso em neblinas passageiras, que se diluía gradualmente até à costa. Pareciam montanhas esculpidas ao longo dos séculos, feita em socalcos e muros de pedra a limitarem as parcelas de produção. Tudo era articulado de maneira a maximizar a exposição solar e o uso do solo. O caminho por onde o autocarro nos levou era entre a terra e o mar, entre o verde e o azul. A massa urbana erguida na encosta era muito porosa, adensando-se mais para as áreas de contacto com a água. Do cimo daquela estrada a vista era magnífica. Não havia nada que obstruísse a nossa vista do lado do mar. Este era contínuo até perder de vista e, se a terra não fosse redonda, talvez pudesse avistar a costa de África, pensei...
Cheguei na Praça da Autonomia, entre as ribeiras e frente ao Mercado dos Lavradores. Perguntei a mim mesma se haveria o Mercado dos Pescadores... Não !
De dentro os homens carregavam cestos de verga vazios nas costas para os camiões à espera de serem carregados e carrinhos de metal moviam caixas de papelão com os desperdícios do dia. A venda tinha acabado para o fim de semana. “Agora só na segunda-feira”, disse-me o segurança que me expulsou de imediato em muita dedicação ao seu trabalho.
Curiosamente, pareceu-me gerações multifamiliares que exerciam esta actividade. Filhos continuam o que os pais fazem. Penso que não se passa o mesmo em Portugal A Madeira tem um solo muito fértil para a agricultura, facto que se tornou na centro de produção de cana de açúcar no séc. XV, pouco antes da colonização do Brasil.
O teleférico tinha chamado a minha atenção na Zona Velha, pois cruzava a cidade, perpendicular ao mar, até ao cimo da montanha. Nele eu poderia cruzar o anfiteatro que é Funchal e ver a cidade de cima. Foi interessante ver como a cidade é pintalgada por manchas verdes por todo o lado. O manto verde da montanha contamina a cidade e esta, cobrindo aqui e ali, deixa o verde tomar espaços públicos, privados: uns por lazer, outros por produção, outros por puro deleite e outros por vaidade. O verde também se revela laranja, amarelo, rosa e azul, cores das flores e frutos que os múltiplos quintais e pátios exibem. Dali também consegui avistar os pavimentos da cidade que eram, mais do que nalguma cidade que visitei até agora, exuberantemente ornamentais. Cada rua, praça, largo, praceta, passeios ou travessas... tinha uns iconografia distinta. Questionava para mim própria se estas ruas/praças eram conhecidas pelos nomes ou pelos padrões que as mesmas exibiam: a rua das listas, a praça dos laços, a praceta dos quadrados, a rua das bolas, a travessa das tranças... extremamente ornamental, tal como os seus bordados ! Muito cenográfico ! Porém, é importante realçar o lado performativo destes pavimentos: a sua porosidade permite escoar as águas pluviais evitando inundações abruptas no espaço urbano. È necessário que se lembre que não este pavimento não é somente cenográfico mas também acumula funções infra-estruturais. Uma vez que se substitua esta tipo de pavimento por outro menos permeável decerto que inundações ocorrerão mais frequentemente !
Funchal parecia-me Olinda: as tipologias residenciais, a porosidade entre a massa construída e o verde, a relação (in)existente com o mar e, os seus bordados ! Não tinha encontrado informações acerca disto mas acreditava que em Olinda muitos madeirense se tinham instalado para a produção de açúcar já que estes tinham o conhecimento técnico da sua produção e mecânica. Foi este factor que me fez pensar acerca das tipologias residenciais. Tal como em Olinda as residências tinham uma forte componente de “verde” no seu interior. A presença de pátios e jardins era omnipresente nos tipos residenciais e, simultaneamente, ofereciam articulações hábeis com a acidentada topografia. Tal como em Santos o historiador Dionísio nos disse: “muitos madeirenses tinham vindo para Santos para colonizar a acidentada topografia”. Talvez o mesmo se tenha passado em Olinda...
Quando entrei numa loja de antiguidades no centro antigo um mapa de 1950 estava exposto e curiosamente as frutas e flores, os bordados e o vinho estavam tão enumerados como os próprios monumentos da cidade, como se aqueles fossem também parte do que é “histórico” da cidade !
Tendo sido o Rio de Janeiro a última cidade que visitei no Brasil, onde a relação com o mar é tão forte, no Funchal essa relação parecia menos imediata. Ao vaguear pela cidade reparei que a frente de mar era isolada do resto da cidade com edifícios ou espaços maioritariamente dedicados ao turismo ou atracagem. O Porto tinha sido grande outrora: barcos de grande porte atracavam na baía e os pequenos barcos faziam o transbordo de passageiros e produtos. Na frente mar as pessoas pareciam inexistentes excepto na zona nova da Marina. No centro, somente alguns pescadores tomavam informalmente o cais para testar a sua sorte ou famílias tomavam a praia do Forte. A maior parte dos bebedouros e chafarizes estavam escondidos ou integrados nalguma parede. Estes não eram elementos estruturantes para o desenvolvimento da cidade. As Ribeiras estavam afundados e cobertos por buganvílias que os tornavam “camuflados”. Tinha lido que por volta de 1800 uma grave cheia aconteceu nas Ribeiras e terras desabaram arrastado os edifícios nas suas mediações. Novos projectos de saneamento foram implantados para proteger a cidade de futuras inundações. Paredes de betão foram levantadas a uma altura que obrigou a elevação da adjacente rua a subir alguns metros. A água, de facto, era um bem da cidade que despontava de todo o lado e não era um bem preciso que necessitasse de alguma dignificação. Porém, Funchal sempre foi uma cidade de dualismos: entre a terra e o mar, entre o azul e o verde, entre o local e o internacional, entre o agricultor e o mercador e entre o urbano e rural. O comércio com rotas Atlânticas sempre foi muito intenso devido à elevada produção de açúcar e comerciantes judeus, italianos, alemães e holandeses sempre constavam na lista de habitantes da vila, tal como Gaspar Frutuoso nos diz nos seus livros “Saudades da Terra”, uma descrição da vila do século XVI.

O centro do Funchal à noite era muito silencioso. Turistas (sobretudo espanhóis, alemães e franceses) cruzavam esparsamente as ruas estreitas carregando máquinas fotográficas prestes a disparar. Haviam sempre detalhes a chamar a sua curiosidade e cantos floridos onde, imóveis, lhes ofereciam as melhores molduras.
A madeira tem sido sempre palco, residência e posto de troca com uma população internacional. Desde cedo Funchal foi habitado por mercadores por causa do seu posto comercial e, mais tarde, com o desenvolvimento dos transportes marítimos e aéreos na década de 30, Madeira abriu-se para um turismo de escala internacional. Hotéis coabitavam com as quintas e com as hortas para oferecer aos turistas o ambiente ideal aos seus problemas de saúde ou simplesmente aos desejos de lazer.
Ao caminhar na zona velha alguns pátios deixavam derramar braças de vinhas plantadas no seu interior, anunciando a presença de quintais. Apesar do compacto tecido urbano na zona velha ainda existiam pequenos pátios e jardins que anunciavam a outrora forte presença rural daquela área.
A noite, do terraço do hotel, via as luzes da casas da encosta lembrando-me que um anfiteatro estava a olhar para o mar e que eu, estava entre eles...

Friday, August 24, 2007

24.08.2007 (Sexta-f) - Em Lisboa ainda: ida à Biblioteca Nacional

Hoje no Terreiro do Paço reparei o quanto, no Rio de Janeiro, o mesmo Terreiro do Paço (hoje Praça 15 de Novembro) lembra formalmente aquele. Abertos para o rio, o quadrado delimitado por edifícios administrativos e comerciais, têm uma escala muito semelhante.
Na Biblioteca Nacional estava à procura de uma tradução do mapa de Mateus Fernandes do Funchal do séc. XVI por Rui Caritas. Neste já se consegui identificar a estrutura urbana da cidade. Curiosamente estruturas religiosas, residenciais, infra-estruturais e cívicas eram mapeados da mesmo forma que a estrutura produtiva da cidade, tais como hortas, vinhas e canas. Em todas as fotos que tinha visto tanto a Funchal como Ponta Delgada pareciam-me extremamente verdes e repletos de ribeiros. Agora estava curiosa acerca das suas diferenças. Um dado que poderia ser importante nesta diferença é que Funchal tinha sido (tal como o Algarve) o maior produtor de açúcar no século XV. Inversamente a Ponta Delgada cujo clima instável não tinha facilitado uma produção fértil da cana-de-açúcar. Isto poderia marcado a urbanidade das duas cidades diferentemente.
Pouca informação cartográfica e iconográfica do Funchal e Ponta Delgada encontrei. Decerto que enquanto nestas cidades iria ser mais fácil encontrar informação disponível nas respectivas instituições. Mais, ainda não sabia do que estava à procura...

Thursday, August 23, 2007

23.08.2007 (Quinta-f) - Em Lisboa: ida ao Arquivo do Instituto Ultramarino

Hoje passei o dia no Arquivo Ultramarino. No Brasil tínhamos encontrado bastante informação cartográfica acerca das cidades que visitámos, contrariamente ao que tinha pensado. Estes dias em Lisboa tinham sido programados para visitar este Instituto e a Biblioteca Municipal para alguma investigação extra na qual me sentia particularmente curiosa. Mas acabei por me concentrar sobretudo nas cidades do Funchal e Ponta Delgada pois queria ir com algumas bases acerca da história que me eram quase completamente desconhecidas. Pouco informação recebi, excepto alguns livros de história e alguns mapas (lindíssimos) de outras cidades. Porém, como gosto imenso de mapas deixei-me estar até ao final do dia em que desfolhava os mapas um a um notando no precioso detalhe e refinada representação. Hoje, utiliza-se o computador com inúmeras possibilidade para errar. Utiliza-se o undo e resolve-se o problema. Quantas vezes penso que tenho um “undo” na minha vida ? Quando me engano com algo que digo ou alguma coisa que faço... Onde está o “undo”? Isto talvez me esteja dizendo que passo demasiadas horas ao computador onde a linguagem deste se dissolve com a minha.

Wednesday, August 22, 2007

22.08.2007 (Quarta-f) - Chegada a Lisboa

Com escala em Philadelphia cheguei a Lisboa (sem o Axel) às 20.30. O sol brilhava e a luz do dia era magnífica, gentil aos olhos e ao “tacto”. Esta luz antecipa a beleza de Lisboa. É um deleite para quem veio de um Verão indeciso nos USA.
Estava pronta para descansar hoje. Sentia que tinha de recuperar energias e de organizar os meus próximos trajectos ao Funchal e da Ponta Delgada.
Sem muitas alternativas para as marcações dos voos para a Madeira e Açores, (considerando que é época alta nesta altura do Verão) a minha ida para o Funchal iria ser no Sábado de manhã; a minha ida para Ponta Delgada iria ser na Terça e o regresso para Lisboa iria ser no último voo de Quinta-feira. No dia 31 de Agosto, na sexta-feira a minha visita acabaria oficialmente com o meu regresso a NY...

Tuesday, August 21, 2007

21.08.2007 (Terça-f) - Para Lisboa às 15.45

Sentia-me cansada para retomar as viagens de avião. Mas o pensamento de ir a Lisboa estava a iluminar o meu peito. Era-me confortável esse pensamento pois poderia ver a minha família e a Twiggy, a minha cocker !
Não tivemos uma boa recepção em NY: estava a chover torrencialmente e o frio era imenso. Parecia Inverno. Eram efeitos do Furacão, talvez... Eram também causas para, outra vez, aumentar a minha ansiedade quando ao meu vôo do dia seguinte.

Monday, August 20, 2007

20.08.2007 (Segunda-f) - Para NY às 6.45 da manhã

Hoje acabaria a nossa visita no Brasil para voltámos a NY às 6.45 da manhã. Eu iria para Lisboa no dia seguinte para continuar para as Ilhas. O Axel iria recomeçar a trabalhar.
O Furacão Dean estava a atravessar o Golfo do México após ter provocado imensos estragos na Jamaica. As previsões eram de que atingisse o México na sua força máxima, de 5, e o nosso voo para NY iria circunsvê-lo. Telefonei para a TAM antes de abalarmos. Secretamente desejei que o voo fosse cancelado pois estava silenciosamente apavorada com essa situação.
Saímos do hotel às 5.30 e quase perdemos o voo pois não queriam aceitar o nosso check-in. Mas acabámos por abalar. Acho que no íntimo fiz tudo para não ir naquele voo... No entanto para remarcar bilhetes é caríssimo e poderia estar em causa o meu voo para Lisboa no dia seguinte. A confusão no aeroporto era tão grande que acabámos por ser incluídos na fila dos voos internacionais.
Estivemos a contar quantos voos tínhamos feito até então. Tinham sido 10 com 20 partidas e aterragens; os momentos que eu mais entro em paranóia... Com os voos para as Ilhas seriam mais 5... correspondentes a outras 10 partidas e aterragens !
Nunca viajei tanto e nem produzi tanto dióxido de carbono como agora... Viajar por carro ou autocarro no Brasil revelou-se muito demorado e ineficiente em questões de tempo. A costa do Brasil é imensa e as estradas, sobretudo no Noroeste, não são as melhores em manutenção e dimensões.
O avião estava cheio e levou-nos algum tempo até que finalmente estivéssemos no ar. Desde cedo a trepidação era constante. Ainda que quisesse estar concentrada a resumir pensamentos e a escrever sobre a viagem era difícil controlar a adrenalina. Ao longe uma gigantesca massa negra de nuvens lembravam-me do que estávamos a atravessar. Ainda lembrei-me que, de acordo com os “10 mandamentos” da TAM a “segurança dos passageiros” vem em 3ª posição versus o “rendimento da companhia” que encima a lista. Para incrementar rendimentos alguma da manutenção aos aviões talvez tenha sido adiada, pensava eu...

Em NY levei algum tempo a sentir as pernas na sua plenitude. Não foi um voo fácil, nem física nem psicologicamente... Mas sabia bem regressar a “casa” com todo um manancial de informação e especulação para digerir aos poucos.
Sentia-me extremamente viva e inspirada. O meu desejo no momento era partilhar o que tinha visto, concluído e sentido ao percorrer uma viagem simultaneamente pela história, memória, geografia e cultura num país que tem tanto de distinto como de semelhante ao meu.

Sunday, August 19, 2007

19.08.2007 (Domingo) - No Rio, o último dia no Brasil

Hoje seria o “suposto” dia para descansar. Para passar o dia na praia e relaxar. Pois, esse era o plano. Mas não aconteceu assim... Sinto como um “detective urbano” à procura de pistas para uma hipótese, muitas vezes inexistente. Começa-se com uma intuição, uma ideia e uma pergunta elabora-se: “e se ?” . Daí para a frente é tempo para testá-la através de um jogo perceptual e aprofundamento na história. Esse tem sido o meu método, já que o tempo disponível repartido para cada cidade somente permite isso. No primeiro dia tenho procurado descodificar a área de fundação (ou imediata extensão) através de mapeamento perceptual e cognitivo. No segundo dia desenvolvo uma hipótese e procuro encontrar ou historiador, geógrafo, guia ou arquitecto para trocar considerações acerca da cidade. Geralmente gosto de falar com historiadores pois penso que o papel do arquitecto e urbanista é o de interpretar espacial fisicamente dados económicos, sociais e culturais. Há uma série de dados que, ao serem interpretado espacialmente, conferem novas leituras acerca da cidade; Como o Rossi nos lembrou não são só os monumentos que falam acerca das sociedades que os fazem. As cidades têm emoções e pulsares que muitas vezes estão longe do conhecimento de arquitectos... É no terceiro dia tenho captado imagens e recolhido iconografia/cartografia que irá suportar aquela ideia ou especulação. Isto foi tudo para dizer que no Domingo ainda não tinha conseguido apurado consistentemente a minha ideia acerca do Rio de Janeiro. Necessitaria de ouvir mais opiniões acerca do Rio e ainda faltavam-me alguns dados. Procurei um guia que me guiasse pelo Rio Colonial e marquei um encontro para as 13.00. Até lá percorremos Ipanema. O tráfego estava encerrado e tanto a praia como o calçadão estava cheio de gente, outra vez, de todas as idades e sexos. Pessoas movimentavam-se para cima e para baixo da Avenida e na praia grupos de jovens praticavam ou futebol, ou voleybol, ou simplesmente exercitavam-se. No calçadão hippies vendiam o seu artesanato e crianças descalças pediam 1 real para o arroz... Enquanto isso, senhoras passeavam os seus cachorros delicadamente vestidos em tufe e calçados com luvinhas de pele ! Ali todos se juntavam e partilhavam o mesmo espaço.

Encontrei-me com Carlos Roquete no edifício do Paço, um historiador do Rio e impulsionador da recuperação do centro histórico do Rio que tem ocorrido nas últimos décadas.

Começámos pela exposição do edifício do Paço acerca do Rio no início do séc. XIX quando a família real se instalou na cidade. Esta não só oferecia a exuberância cenográfica à altura Imperial mas também estava estrategicamente localizada nas rotas comerciais. O Plano que se exibia nas paredes era o do 1744, que para além do Rio colonial da Rua direita, Morro do Castelo e Mosteiro de S. Bento, exibia as extensões para Norte do séc. XVII. Falei-lhe que estava interessada em saber mais acerca do Rio colonial pois acreditava que a relação funcional com a frente marítima em muito tinha marcado a urbanidade do Rio. Carlos finalmente confirmava esta minha suposição ! Rio, a cidade em si, sempre foi uma cidade charmosa em que a beleza natural se impunha e poucas preocupações defensivas existiam no seu centro já que a entrada da baía estava dominada por fortes e artilharia militar que antecipavam ameaças. A cidade não ocupou as partes mais altas na topografia mas sim a zona protegida entre 2 morros que oferecia as melhores condições para o Porto e para as trocas comerciais. Desde cedo Rio tinha sido um importante Porto e uma cidade administrativa e por estes factores concentrava uma complexa urbanidade entre a borda da água e o imediato offset desta, a Rua Direita. Em vez de se criar uma outra ordem espacial a rua direita simplesmente “copiou” o formato da linha de água, elemento fundamental na vida da cidade! Carlos, falou-me que o chafariz era um importante elemento cívico do séc. XVIII onde a cidade colhia a água potável. No Rio a água potável era um bem. Era então no Terreiro que os negros se juntavam nas suas tarefas e os nobres se exibiam. Hoje o centro da cidade é maioritariamente administrativo retirando muita da complexidade que outrora existiu. Se quisermos presenciar aquela complexidade e urbanidade temos de visitar Copacabana, ou Ipanema onde o borbulhar da cidade de faz vivo e o cheiro a mar sentir com a dominante Natureza a servir de pano de fundo.
No caminho de volta tomámos o autocarro até Ipanema. Na praça da N.S. da Paz uma imensa feira de artesanato acontecia. Finalmente era tempo de fazer compras para a família e ocupar os pouquinhos espaços vazios das nossas malas.
Sendo a última noite no Brasil, deste rico percurso pela história e memória das cidades Atlânticas do século XVI, era tempo de comemorar com um jantar delicioso e um vinho tinto à altura ! Bem haja e saúde ! Sentia-me triste e simultaneamente revigorada por toda a informação a que fomos expostos e agraciados pela receptividade com que sempre fomos recebidos. E, tal como um viajante sentia-me com vontade de saber mais e de partilhar tudo o que recebi com outras pessoas também interessadas por cidades e culturas. É assim que me vejo actualmente !

Saturday, August 18, 2007

18.08.2007 (Sabado) - No Rio II

Hoje queríamos mudar de hotel, para Ipanema onde pudéssemos sentir de perto a urbanidade da frente marítima do Rio. Não foi fácil nem barato pois maior parte dos hotéis estavam lotados. Andes de abalar para o outro lado da cidade queria filmar o centro histórico, percorrê-lo na sua extensão ao longo da enseada e ao longo da Rua Direita. Saberíamos que no centro não existia muita gente ao fim-de-semana já que grande parte da função residencial tinha desaparecido ao longo do século anterior. Isto, como nos tinham avisado, poderia representar alguma falta de segurança para a nossa captação de imagens.
Passámos pelo Parque do Flamengo, outro Parque de Burle Marx. Gente da rua lavavam-se nos lagos dos parques e ninguém caminhava em redor àquela hora.
Prosseguimos até à Av. Presidente António Carlos, outrora o Morro do Castelo que agora estendia o alinhamento da Rua 1º de Março. Esta era outrora a Rua Direita. Da Av. Presidente António Carlos, agora sem o morro, víamos com toda a claridade o Pão de Açúcar. O eixo apontava directamente para a formação granítica, iconografia da cidade e símbolo da sua beleza. A frente mar do centro histórico tinha sofrido inúmeros aterros e a outrora linha de água só encontrava reflexo no alinhamento da Rua Direita. Ao vermos mapas do séc. XVI vemos que esta rua era precisamente o offset da linha marítima e que ainda hoje é o fantasma dessa geografia !
A Rua da Misericórdia lembrava-nos da existência da Sta. Casa da Misericórdia e, adjacente a esta, somente um reminiscente da ladeira para o Castelo sobrevivia coo um achado arqueológico. Fomos encontrar um mar de gente por baixo da Av. Presidente Juscelino Kubitschek, um viaduto de betão que corta a relação directa entre a cidade com o mar. Ali acontecia a feira das antiguidades, um evento semanal na cidade do Rio. Se numa parte do troço haviam diversas antiguidades (como o nome da feira) noutra parte parecia a feira da Ladra em Lisboa. Pedaços de coisas por todo o lado sem se saber muito bem a sua utilidade. Dirigimo-nos para a beira mar e ali descobrimos vários pescadores e os seus barcos estacionados na baía. Perguntámos se apanhavam peixe por ali e disseram-nos que tinham de ir para áreas mais longe devido à poluição das águas. A vista para a baía era solene e extensa. O burburinho e a agitação da cidade tinham parado, só se ouvia as ondas a bater nas paredes do cais e um cão-pescador a ladrar a um mergulhão... A Praça 15 de Novembro, outrora o Terreiro do Paço (tal como em Lisboa), tinha perdido a sua relação cultural, comercial, cívica e administrativa com a água e o chafariz, colocado entre o cais e a praça, tinha perdido a sua função e dignidade como peça cívica. Rio de Janeiro deveria recuperar a sua relação simbólica e funcional com a água que foi quebrada quando foi erguida a Avenida-viaduto e o aeroporto Santos Dummont construído sobre um extenso aterro.
Entramos pelo arco da rua do Ouvidor. Casais jovens tomavam o seu almoço à sombra das acolhedoras esplanadas dos diversos restaurantes que ali abriam as suas portas. Não pareciam turistas mas sim casais “hip” do rio com os sofisticados strollers para os seus filhos. Parecia que o centro do Rio tem estado nas últimas décadas a ser revitalizado. Casas comerciais parecem ocupadas com variadas actividades culturais e de restauração. Porém, não encontrava sinais do uso residencial. Na Rua Visconde de Itaborai estavam localizadas diversas instituições culturais, tais como o Banco do Brasil e a Fundação Casa França-Brasil. Muita gente se reunia à porta desta à espera de entrar para a exposição em curso. Afinal, sábado parecia dinâmico no centro... Para os lados do morro de São Bento a paisagem mudou. Não vimos viva alma, excepto polícia armada que tinha um dos seus arsenais perto daquele. O outrora acesso para o Mosteiro estava encerrado e tomado pela vegetação cerrada e barulhento tráfego que desembocava da Av. Presidente JK, ali, frente ao portão do Mosteiro.
De Niterói a vista do Rio deveria ser magnífica, pensámos. Tomámos o Ferry na hora restante de luz em que não só puderíamos visitar o Museu de Arte Contemporânea de Neimeyer como também apreciar Rio de Janeiro ao pôr-do-sol. O Cristo redentor acolhia o vermelho vivo dos céus e as montanhas de granito recolhiam-se para a noite... Tal como nós que nos recolhíamos na noite de Ipanema.

Friday, August 17, 2007

17.08.2007 (Sexta-f) - No Rio I

Hoje tínhamos de comprar as duas publicações que vimos no Instituto Histórico e Geográfico: “ As Cidades do Salvador e Rio de Janeiro no Século XVIII” e sobretudo o “Atlas da Evolução Urbana da Cidade do Rio de Janeiro. 1565-1965”. O Instituto era um profícuo editor. Muitas publicações sobre a história das cidades brasileiras vinham desta instituição que, como outros Institutos, tinha sido fundado com o século XIX quando a necessidade de acumular e catalogar informação histórica era o zeitgeist da altura.
Hoje tínhamos um encontro com a Dr.ª Beatriz, historiadora e directora do Arquivo Geral da cidade. Desta vez fomos de táxi pois a paragem do mêtro ficava longe do Arquivo. Aqui iria procurar encontrar algum feedback acerca dos meus pensamentos sobre a “linha espessa” e a sua consequência na urbanidade do Rio. Aqui fomos recebido gentilmente. Porém, factos da história cruel do Brasil saíam da boca da Dr.ª Beatriz. Focada na história das mulheres judias no Brasil relatos da sua vivência lembravam-me a pesada “herança” da minha história colonial...
Falei-lhe da minha percepção do Rio, da potencial matriz genética de fundação da cidade na urbanidade distinta que a caracteriza. Disse que não acreditava que assim fosse, pois a população negra em muito tinha influenciado a vivência da cidade e dos espaços públicos, sobretudo na dimensão das festividades da cidade ! Concordei acerca da importância do perfil demográfico da cidade no séc. XVII mas simultaneamente lembrei-me que o samba tinha tido como lugar de origem as bases do morro da Conceição, adjacente à “linha espessa” de programas e actividades cívicas, residenciais, religiosas, administrativas e comerciais. Não obtive uma confirmação clara acerca do que estava a pensar. Tal como nos médicos tinha de procurar outra opinião...
Telefonámos para o Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro para falar com a Dr.ª Heloísa Queirós. Possivelmente poderíamos trocar algumas ideias acerca da história da evolução urbana do Rio. Este museu ficava no outro lado da cidade, na gávea perto da favela da Rocinha e só puderíamos ir de táxi, outra vez. Localizado no parque da cidade o Museu estava rodeado por uma vegetação espessa que gradualmente se adensava no o alto do monte, onde o Museu se encontrava. A luz filtrada, os sons de macacos(?) e inúmeros pássaros lembravam-me que estávamos numa floresta tropical. Vindos da área densamente urbana agora penetrávamos noutro mundo... Quando lá chegámos não estava ninguém na sala de exposições. Em exibição estavam algumas maquetas, pinturas a óleo e armaduras em ferro. Parecia que a colecção estava em remodelação mas foi interessante ver as pequenas maquetas com uma vila índia antes dos portugueses se terem instalado e ver a vila de São Sebatião (Rio de Janeiro) quando se desenvolveu no séc. XVI. Ali foi importante notar que os 2 morros, um por questões militares e outro espirituais, foram os primeiros pólos a serem desenvolvidos. Depois a rua direita ligou estes dois pontos para o desenvolvimento da vila !
Perguntei a Heloísa acerca do programa que preenchia esta faixa habitada entre os 2 morros (ao que eu chamo a “linha espessa”). Disse-nos que era um mistura de funções que se abria para o mar, lugar de comércio e trocas culturais. Quando lhe falei da relação formal entre a curva de Copacabana e o eixo viário de Brasília então proposto por Lúcio Costa, Heloísa reagiu com surpresa pois nunca tinha relacionado as duas cidades... Aconselhou-nos a visitar o Instituto Pereira Passos pois lá havia uma livraria com imensa bibliografia acerca da cidade; e não estava enganada ! O sol estava a pôr-se e uma enorme nuvem de mosquitos atacavam a câmara, os casacos, as pernas despidas, os dedos, a cara.... Tudo o que se mexesse! No parque existia imensa água e humidade correspondente, o seu habitat. Como ela nos disse era tempo de fechar as portas ! Pudera imaginar os Portugueses e os europeus quando aqui chegaram sendo “comidos” por mosquitos!
Regressámos à “cidade” e pedimos ao taxista para nos deixar no Largo do Machado. Antes de acabar o dia queria procurar mais alguma bibliografia sobre o Rio. Pedimos ao taxista que seguisse pela costa de Ipanema e Copacabana pois é sempre um prazer ser contagiado pela dinâmica destas áreas. As praias e os calçadões estavam cheios de gente de todas as idades a toda a hora; de manhã, à tarde e à noite. Considerando que é “inverno” no Brasil as praias mostravam-se indiferentes a esse facto.
Hoje o dia tinha sido pouco eficiente. Perdemos demasiado tempo a cruzar a cidade e o tráfego era imenso. Mas apesar de ainda não ter conseguido uma confirmação “ideológica” acerca da minha especulação estava bastante segura com o que tinha descoberto até então através dos diagramas, mapas e dados históricos que tínhamos conseguido. Estava muito curiosa já que não havia “receita” unânime para a evolução da particular urbanidade do Rio. Assim é de esperar pois cidades são complexas e as disciplinas através das quais decifram a cidade são díspares assim como as suas conclusões. Ainda bem que assim é pois revela o quanto as cidades são feitas de diversas layers de entendimento...
O Largo do Machado é um projecto de Burle Marx feito na década de 50. Com inúmeras arvores exóticas o Largo está diferenciado em distintas zonas de passiva e activa recreação. No centro, ausente de qualquer copa as crianças correm livremente enquanto adultos sentados nas bandas ondulantes de betão acompanham os seu movimentos. Ao longo das ruas adjacentes os velhos jogam às cartas e ao dominó e fazem apostas. Exactamente como em Portugal. O pavimento, como Burle Marx nos habituou, é rico em cor e forma. Plasticamente articula a superfície do largo e as diversas zonas deste.
Decidimos voltar ao hotel a pé, pela rua do Catete. O comércio estava quase a fechar mas mesmo assim pessoas corriam para cima e para baixo nesta rua sempre em permanente fernezim. Definitivamente era um dos mais activos eixos comerciais para os habitantes do Rio. Parámos na Glória, onde o nosso hotel ficava, e estacionámos na esplanada do café a beber cerveja fresca... E lembrei-me que estávamos a 2 dias antes de abalar...

Thursday, August 16, 2007

16.08.2007 (Quinta-f) - No Rio

Acordámos com um pássaro na janela. O sol batia nas portadas e estava quente enquanto ele aninhava-se no canto mais solarengo.
Era tempo de acordar com o bom tempo afinal de contas estávamos no Rio de Janeiro !! Rio é uma cidade lindíssima. A primeira vez que a visitei há 4 anos atrás jurei que era a cidade mais impressionante que alguma vez tinha visitado. Será que vou manter a mesma impressão desta vez ? Na altura passei a maior parte do meu tempo em Ipanema e Copacabana. Agora estou no centro da cidade.
Antes de iniciarmos a nossa caminhada tinha de tratar de algumas burocracias. Percorremos a Rua Catete à procura de um Banco. Tinha de tratar do pagamento do livro que tinha comprado on-line para que o pudesse receber no dia seguinte. Este percurso revelou-se extremamente dinâmico pois a Rua Catete era como o nervo central de toda a zona da Glória, entre a Lapa e o Flamengo. Eram 10 da manhã de quinta-feira e parecia que toda a gente do bairro estava na rua ou a comprar ou a vender ou, infelizmente para nós, na fila do Banco no qual tínhamos de fazer a transacção...
No caminho encontrámos uma livraria Sebo. Desfolhámos livros de fotos antigas do Rio. Não sabia o que procurar no Rio... O que era distinto na cidade ? Decerto a sua urbanidade, o seu charme a sua paisagem feita de explosões topográficas. Tal como em Vitória a paisagem era imensamente impressionante. Porém, no Rio a sua escala é monumental em todos os seus atributos. Mas será que esta característica influenciou a forma urbana do Rio ?
Precisava de um mapa para me orientar. Necessito de mapas pois se me orientar pela minha percepção perco-me ! Geralmente não sou muito racional no entendimento das cidades guio-me por sinais e por elementos que captam a minha atenção, por cheiros e actividades nas ruas. Como estes mudam assim se desvanecem os meus pontos de referência. Daí que os meus “ancoradouros” têm de ser mapas !
Havia um posto de turismo algures na centro, perto da Biblioteca Municipal. Tomámos o mêtro na Glória para Cinelândia, a paragem seguinte. Rio de Janeiro tem uma rede de transportes bastante eficiente. O mêtro corre muito frequentemente (5 min entre comboios) e os autocarros cobrem a cidade na sua enorme extensão. O mêtro tem instalações muito amplas, em boa manutenção e a construção parece recente. A paragem de mêtro era em frente à Biblioteca Municipal, na monumental Av. Rio Branco. Haviam 2 grande avenidas que cruzam o centro: a Av. Presidente Vargas e a Av. Rio Branco. Estas tinham imposto um traçado regular na cidade antiga e estabelecido a monumentalidade necessária a uma cidade Imperial.
A Biblioteca Nacional, juntamente com o Teatro, Banco do Brasil, Museu Nacional de Belas Artes ou Museu de História Natural foram resultado da extensa reestruturação urbana do início do séc. XIX quando a família real e a inúmera aristocracia se instalaram na cidade. Esta já era a capital administrativa da colónia desde dos inícios do séc. XVIII quando foi encontrado ouro e diamantes de Minas Gerais. A proximidade do Rio com Minas Gerais em relação a Salvador tinham produzido a transferência de título de capital para o Rio. Também a proximidade dos mercados do Rio da Prata e Argentina, e a sua localização estratégico entre Europa (para exportação de produtos) e entre África (para o comércio de escravos) tornaram Rio na definitiva capital do Brasil. O eixo comercial entre Rio, Buenos Aires, Lisboa e Angola era muito forte pois as correntes marítimas assim o ajudaram. Com a chegada da família real transformou-se na capital do Império com as respectivas transformações urbanas. Decerto que factores económicos motivaram a instalação da família real no Rio de Janeiro mas, como alguém nos dizia, “Rio de Janeiro sempre foi uma cidade charmosa !” A sua natural monumentalidade, a sua intensa cenografia feita dos variados perfis topográficos, a exuberante vegetação, as elegantes baías e a excêntrica topografia que actua como o perfeito pano de fundo para qualquer cerimónia, fizeram do Rio uma cidade excepcionalmente distinta; facto pelo qual viajantes registaram a sua paisagem em inúmeras gravuras do séc. XVIII e XIX.
Rio não só era estrategicamente bem localizada e exposta ao comércio do Atlântico mas também possuía uma beleza imponente, à escala imperial !
Tal como as outras cidades que visitámos, também o Rio teve a produção de açúcar como primeira indústria. Porém, sem níveis de produção elevados (devido à qualidade dos terrenos), mas estrategicamente bem localizada, Rio foi sempre uma cidade mais administrativa e comercial do que as demais. Talvez por estes factores a sua relação com a baía e com o mar tenha sido mais intensa do que com a terra. Rio é uma cidade que está virada para o mar pois a própria cidade é um porto natural recortado com as suas múltiplas enseadas numa baía defensável.
Gostaria de entender como é que a cidade foi fundada e que estruturas físicas se desenvolveram ao longo da baía. A Biblioteca Nacional revelou-se extremamente burocrática e complexa para a consulta de mapas. Isto lembrou-me que estava numa cidade grande e numa casa de grande peso institucional.
Passámos a manhã a andar no centro, por entre a Rua do Ouvidor, a Praça 15 de Novembro, Rua do Rosário, Rua Debret, Rua do Carmo, Praça Pio X e foi impressionante notar o quanto intensa é a actividade do centro. Existem inúmeras instituições culturais, edifícios do governo e muito comércio. Na quase ausência de turistas o centro estava cheio de diversas gentes na pausa do trabalho ou das escolas. Também tínhamos parado para um sushi. Estava com saudades de comida japonesa.
Decidimos ir ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Nas outras cidades que visitámos encontrámos sempre alguém disponível para nos mostrar informação cartográfica e iconográfica. Conhecemos o historiador Pedro Tórmita, que nos sugeriu consultar uma publicação do Instituto acerca da evolução histórica da cidade. Ao desfolhar esta publicação diagramas explicando a evolução da forma urbana do Rio eram analiticamente organizados. Nestes havia uma permanência consistente: uma linha paralela à enseada onde outrora foi a Rua Direita. Esta “rua direita” era a única rua direita que conhecia com a forma de um arco paralelo à enseada ! Vindo da tradição medieval esta rua direita foi “deformada” pela forma natural da enseada onde a cidade se formou e nela uma mistura de funções comerciais, administrativas, religiosas, cívicas e residenciais se aglomeravam com a presença de mercadores, visitantes e nobres de todo o mundo: o convento do Carmo, a Casa do Governador e Alfândega, a Casa da Moeda, o Cais, os Armazéns, a Misericórdia, comércio e edifícios residenciais. Esta era a urbanidade primordial do Rio. Penso que é nesta “linha espessa” desenvolvida entre o morro do Castelo e o morro de São Bento que reside a matriz genética do Rio e que tem repercussões na urbanidade do Rio. Apesar das transformações resultantes das aspirações do séc. XIX e XX aquela matriz sobreviveu no espírito do Rio pela urbanidade única que exalta. Comparativamente às outras cidades que visitámos tal como Natal, Olinda, Salvador, Vitória ou Santos, Rio de Janeiro tinha uma relação muito próxima com a linha de mar, física e emocionalmente, económica e culturalmente. Hoje se visitarmos Copacabana, Ipanema ou Botafogo vemos espelhado este estilo de vida: uma relação primordial com a praia, um dos maiores espaços públicos da cidade. O mar (ou praia) é o palco da cidade e aqui toda a gente partilha o mesmo espaço 24 horas por dia, Inverno ou Verão ! Esta é a urbanidade do Rio de Janeiro, particular e distinta das demais cidades, inspiração para a Bossa Nova e símbolo de um estilo de vida cosmopolita. Naquele momento lembrei-me de um comentário de Farés-El-Dahdah, autor do livro “Lucio Costa-Brasília’s Superquadra”, fez acerca do eixo viário de Brasília: Parece que Lucio Costa queria simular a experiência perceptual da curva de Copacabana pois acreditava que esta era a génese da sua urbanidade múltipla. Pois bem, parece que a génese dessa mesma curva (da forma como foi desenvolvida formalmente) se encontra na primordial “linha espessa”. Gostaria de trocar estas impressões com alguém que pudesse confirmar esta “espessura” programática da frente urbana do Rio do séc. XVI. O historiador Tórmita aconselhou-nos a visitar o Arquivo Geral da cidade localizado na cidade nova. Tínhamos conseguido uma visita para o dia seguinte já que o sol se estava a pôr. Entretanto ainda tivemos tempo de percorrer a “rua direita” que era “um arco” ! Aquela hora não havia muita gente na rua. Os funcionários das diversas instituições governamentais já tinham acabado os seu horário de trabalho e os turistas, possivelmente, já se tinham recolhido nas áreas de Ipanema, Bota-Fogo ou Copacabana. Enquanto isso a gente sem abrigo procurava áreas menos iluminadas para passar a noite nos lobbies fechados dos edifícios governamentais. Era tempo de voltar.
Decidimos passar a noite na Lapa e possivelmente treinar alguns passos de samba ! Desta vez fomos a pé, cruzando o centro, e em frente ao Teatro Municipal a população erudita, e bem vestida, aguardava o primeiro show de ballet em cena.
Chegámos ao largo da Lapa e os impressionantes Arcos eram o “gateway” para a celebração que parecia existir do outro lado. Cenograficamente iluminado os Arcos ofereciam o carismático cenário para o dinâmico pulsar que havia em seu redor. Centenas de jovens aninhavam-se ao longo da Av. Men Martins a beber chopinhos e a ver quem passava. Piropos ouviam-se por toda a parte e fumo a “maconha” pairava, descontraidamente, no ar. Era uma atmosfera contagiante e animada.
Acabámos a noite num restaurante português a comer bacalhau à Gomes de Sá e a tentar dançar salsa.

Wednesday, August 15, 2007

15.08.2007 (Quarta-f) – De Santos para o Rio (com escala em S. Paulo)

Hoje iríamos partir para o Rio com escala em São Paulo às 20.30. Teríamos de apanhar o autocarro directo da Trans-Litoral das 17.30 até ao aeroporto de Congonhas. Até lá queria falar com o Historiador Dionísio da Fundação Arquivo e Memória de Santos no Outeiro de Santa Catarina. Queria trocar com ele alguns dados acerca da história da cidade e da sua relação embrionária com água e com canais. Tinha aprendido que no Morro de Nova Cintra havia um funicular que não usava nem tracção animal nem vapor mas sim água. No topo do monte Nova Cintra havia um lago, fruto de fontes em redor, que no séc. XVI já movia um engenho de açúcar. Através do peso de 2 toneladas de água, colocada no tanque de um dos carros, o funicular subia e descia com os passageiros. O seu serviço acabou por encerrar na consequência de um acidente provocado pela ruptura dos cabos de tracção. O ponto que importa aqui notar é a presença omnipresente e racional da água com todas a suas propriedades: para transporte, para bebida, para organização espacial, identidade, para razões cívicas e para mecanismos de tracção !
Antes de irmos para o centro acabamos por caminhar mais uma vez pela Av. Floriano Peixoto, a primeira rua perpendicular ao Canal 1 para irmos a uma livraria de livros usados, o Sebo. Estava a procurar “Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial” de Nestor Reis. Naquele livro estavam compilados muito dos mapas que eu necessitaria para me ajudar a interpretar os elementos de fundação e a sua integração, alteração, hibridação ou, simplesmente, desaparecimento nas cidades que tinha visitado até então. Era um livro que tinha sido lançado na altura da celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Tínhamo-lo finalmente comprado em São Paulo, via on-line na “estante virtual”, para entrega no dia seguinte no Rio, no hotel onde ficaríamos. Uma decisão clara e racional !
Fomos para o centro de Santos de autocarro. No mapa parece um percurso que se pode fazer a pé. Mas de autocarro levamos cerca de 30 min pela Av. Washington Luís, adjacente ao Canal 3. A coisa boa acerca das novas avenidas é que não mudam de nome. É frequente encontrar no centro histórico 2 a 3 placas toponímicas com os nomes anteriores ao actual. Estes geralmente substituíram os nomes da era colonial por personagens que se destacaram ou por datas comemorativas do período da República. Porém neste processo de transferência muitos nomes ligados à histórica física (e não humana) perderam-se, tais como Rua Direita, Rua da Fonte, Rua do Mercado, Rua do Outeiro, Rua da Sé, Rua da Praia, Rua das Tripas.. Havia uma imediaticidade relacionada com uma história dos sítios, funcional e geograficamente que se perdeu. Agora somente os livros e os seus habitantes, agora, podem falar dessa história...
O Canal 3 é um dos mais interessantes. A sua vegetação é variada em compacticidade, espessura e cor. Perto da Av. Presidente Wilson as árvores começam espessas e com uma copa encerrada. Os ramos pendem para a água e oferecem uma sombra densa contra o sol escaldante aos habitantes que caminham no passeio do canal. Esta compacticidade esvai-se para Norte, em direcção ao centro, revelando o Monte Serrat ao mesmo tempo que nos lembra que estamos a chegar ao centro. Na chegada do Outeiro de Santa Catarina, para surpresa nossa, o pequeno monte tinha desaparecido! Durante o tempo este tinha sido desbastado para caber na grelha de expansão da cidade do início do século XX, do início do sistema de canais e Avenidas. Como referido os planos de Saturnino Brito estabeleceram uma infra-estrutura de saneamento, gestão de água e lazer ao mesmo tempo que definiram um sistema de expansão para a cidade. No início do séc. XX Santos assistia ao crescimento da produção do café o que lhe conferia um novo estatuto económico e social. A cidade tinha de crescer para acomodar esta nova economia. O racional, estratégico, infra-estrutural e cívico juntaram-se neste plano ! Hoje vejo-os como uma oportunidade única de Santos em integrá-los numa escala de sistemas ecológicos em vez de tentar apagá-los da sua história. Ao longo daquele caminho, até ao centro da cidade, diversas garças brancas apanhavam pequenos insectos e pequenos peixes do canal. Existe vida nos canais e tem-se de cuidar destes. Hoje muitos desses Ribeiros encontram-se subterrados e esquecidos, enquanto outros artificiais lembram da presença omnipresente da água na cidade.

O arquivo do Outeiro estava encerrado para o almoço. Teríamos de voltar dali a 1 hora, altura em que o Historiador Dionísio voltaria. Isto dar-nos-ia tempo para almoçar e andar pelas ruas do centro onde outrora eram as ribeiras de água fresca que saciavam a sede e providenciavam transporte para a população inicial de Santos. Essas linhas de água era aproximadamente as ruas 15 de Novembro, S. Bento e D. Pedro II. Do outro lado da Rua Xavier da Silveira, através de um passadiço sobre esta avistávamos o Porto. Este abria-se na extensão das terras de mangue do outro lado do Rio e aos pés das montanhas do planalto de São Paulo. Haviam ferries e cargueiros de grande porte a saírem do porto constantemente. Passageiros iam para as cidades adjacentes de Santos e cargas para todo o mundo (e vindas de todo o mundo também) amontoavam-se nas proas dos navios. Santos é o porto de São Paulo mas a cidade parece não relacionar-se com o Rio de nenhuma forma excepto de mera utilidade infra-estrutural. A prosperidade do seu porto vem grandemente pela capacidade portuária garantida pela sua localização no Rio. Tinha aprendido que os portos de rio não acumulam sedimentação pela força da foz possibilitando a profundidade necessária nos seus leitos para o movimento dos navios de elevada carga.
Adjacente à Alfândega, na Rua 15 de Novembro, antiga Rua Direita, estava a praça da República por onde antigamente passava o Ribeiro do Carmo ou Itororó (nome da fonte). Como era de esperar não havia presença deste mas existia ainda o “conjunto do Carmo”. Acabamos por almoçar ali por perto até ser tempo de regressar ao Outeiro. Quando lá chegámos Cláudio Lorena recebeu-nos amavelmente. Actualmente, trabalhando na Fundação, falou-nos dos seus tempos em que era professor de História enquanto nos descrevia as fotos antigas de Santos que se exibiam nas paredes. Numa delas estava a casa do Trem Bélico onde Cláudio apontava para as escadas, chamadas “portuguesas.” Esta casa tinha um importante papel na história militar da cidade já que era o depósito de material bélico em caso de invasão. Para dificultar o seu acesso cada degrau era diferente entre os demais para evitar fácil acesso aos invasores e facilitar contra-agressão. “A sua irregularidade provocava desorientação”, dizia. Muito interessante este mecanismo de defesa !
Na parede estava também a gravura de Benedito Calixto de Santos no início do séc. XVIII onde, na Biblioteca Humanitária, tinha confirmado as minhas suspeitas ao identificar os primordiais ribeiros de Santos. Nessa altura a evolução de Santos ainda não tinha acontecido e os ribeiros ainda mantinham as suas funções na vila de Santos: providenciar água potável, transporte e espaços de convívio.
Quando o Historiador Dionísio chegou à fundação a nossa conversa estava animada e rica em pormenores que Cláudio partilhava connosco acerca das fotos antigas de Santos. Dionísio juntou-se à nossa conversa. Havia algo de extremamente amável neste homem de postura humilde e orgulhosa. Dizia que tinha sangue índio mas as suas feições lembravam imensamente Joseph Beuys... Falei-lhe da viagem que temos estado a fazer pela costa do Brasil e do meu interesse em explorar o urbanismo português do séc. XVI porque acreditava na existência de uma particular relação entre a paisagem construída e Natureza onde se insere. Porém, este relação tinha-se revelado muito mais complexa do que imaginado inicialmente. Cada cidade tinha a sua identidade e algo de muito distinto. O que me tinha chamado a atenção em Santos era precisamente a sua relação com canais/linhas de água e a potencial matriz genética dos tempos de fundação na solução encontrada para os presentes canais de Santos. Assim como Santos se desenvolveu na época de fundação ao longo dos ribeiros existentes assim se organizou a sua expansão no séc. XX. Perguntei-lhe se existia alguma validade nesse pensamento. Respondeu que nunca tinha pensado nisso mas decerto que agora via essa relação ! Fiquei contente com o seu comentário. Santos São Vicente tinha sido fundado primeiro do que Santos, no outro lado do monte. Porém a presença de fontes e inúmeros ribeiros nos terrenos de Santos possibilitou o seu crescimento e consolidação no séc. XVI. Outro factor tinha sido importante na consolidação de Santos como cidade. Ao longo do séc. XVI e XVII, como Dionísio nos dizia, uma ampla população de madeirenses tinha vindo habitar a Vila de Santos para trabalhar nos engenhos de açúcar circundantes. Habituados a condições topográficas mais extremas da ilha da Madeira, eles materializaram a técnica e a mão-de-obra que possibilitou o desenvolvimento de áreas residenciais na topografia acidentada. Disse-lhe que de facto tinha reparado nas construção bastante intricada nos montes em redor a Santos. Desde Olinda tenho notado que muito do artesanato é semelhante ao da Madeira, sobretudo nas cestas de vime e bordados. Ao ler o livro de Stuart Schwartz, que Alexandre Dias (o historiador de Olinda) me aconselhou “Sugar plantations in the formation of Brazilian Society” me apercebi do quanto a Madeira foi um enorme produtor de açúcar no séc. XVI. Poder-se-á dizer que a Madeira foi o pré-modelo da produção de açúcar de todo o império económico e comercial implantado no Brasil do séc. XVI. Nesta altura a técnica de cultivo e produção já estava dominada. Os madeirenses tiveram um papel crucial na disseminação do conhecimento na construção de engenhos de açúcar. Eram pagos a preços muito altos para se alojarem nas terras novas do Brasil. Daí o seu artesanato, modo de articulação com a topografia ainda se manter na paisagem construída !
Dionísio despediu-se de nós pois tinha alguém à sua espera para uma entrevista. Eram da televisão de Santos ! E também nos entrevistaram pois ficaram curiosos do que estaria esta pessoa de Portugal a investigar no Outeiro...

Já era tempo de voltar pois a hora de apanhar o autocarro de regresso a São Paulo estava a aproximar-se depressa. Tinha perdido a noção das horas naquele imensamente rico tempo de conversa com Dionísio. Podia ficar ali o resto do dia...
A paragem de autocarros ficava no cruzamento da Av. General Glicério com o canal 2, numa estação de gasolina... Assim se nota no quanto andar de transportes públicos é coisa do dia-a-dia. Simplesmente no apeadeiro da bomba de gasolina as pessoas se aglomeram para ir para outras cidades.
Ir de Santos para São Paulo demoraria mais tempo do que o caminho inverso. Tínhamos de subir o Parque Estadual da Serra do Mar para atingir o Planalto onde São Paulo se localiza. A subida pela montanha é abrupta, o que provoca compressão nos ouvidos. Era como subir a escarpa de Salvador 20 vezes maior o seu tamanho.
Tínhamos chegado ao aeroporto de Congonhas; um lugar já bastante familiar para nós já que tínhamos feito escala aqui por de 3 vezes... Hoje chegaríamos tarde ao Rio mas felizmente já tínhamos reservado hotel. Desta fez ficaríamos no centro, na Glória. A contabilizar com os atrasos nos voos, que têm sido recorrentes, contaríamos chegar ao Rio por volta das 22.30.
Em muitos canais da TV é relatada a crise dos transportes aéreos brasileiro: a falta de inspecção dos aviões, a falta de segurança nos voos... A infra-estrutura do Brasil parece necessitar de uma urgente reforma. Sem uma rede de infra-estruturas adequada é muito difícil combater as assimetrias de um país, de possibilitar desenvolvimento e activar economias locais e links internacionais. Brasil definitivamente necessita de um plano que ligue de Norte a Sul o País. A referência mais próxima deste modelo seria o corredor de transporte da costa Este dos USA que liga Baltimore, Philadelfia, Nova Yorque e Boston. Pensado fisicamente como um link de transportes (auto-estradas e comboios) este é um corredor estratégico para desenvolvimento económico entre estas cidades. Tendo como Curitiba um exemplo de excepcional qualidade na rede de transportes, Brasil tem capacidade, necessidade e expertise para implantar uma estratégia abrangente e democratizadora nesta área...

O voo não foi muito atribulado mas chegámos à hora que estávamos a prever. Tomámos o autocarro até ao hotel. Isto apenas nos custaria 5R em vez de 50R por táxi. Era tempo de poupar. Rio era a nossa última cidade no Brasil. Aqui ficaríamos 4 dias, suficiente (talvez) para recolhermos alguma informação extra nas inúmeras bibliotecas e institutos da cidade. Também Rio era a cidade maior e, talvez por isso, mais difícil de entender na sua complexidade. Para isso precisaríamos de mais dias aqui... Antes de adormecermos era tempo para um chopinho e uma dose de camarões fritos à moda carioca ! A noite estava linda e imensa gente ainda se reunia nas esplanadas dos cafés para conversar...

Tuesday, August 14, 2007

14.08.2007 (Terça-f) - Em Santos

Nos pequenos almoços do Brasil é comum oferecerem fruta. Desde que aqui estamos temos sido presenteados todas as manhãs com papaias, bananas, melão, melancia, manga, uvas. Se não fossem os doces que tenho comido até poderia considerar uma dieta bastante saudável.
As praias urbanas de Santos reflectiam a divisão da cidade em canais já que apresentavam nomes distintos entre eles. Os 6 canais dividiam a longa enseada em 7 diferentes praias: Praia José Menino, Praia da Pompéia, Praia do Gonzaga, Praia do Boqueirão, Praia do Embaré, Praia da Aparecida, Ponta da Praia. Esta, como o nome indicava era a última praia antes da entrada da foz com a presença do entreposta de pesca e do porto.
A presença dos canais foi uma surpresa total para mim. Nunca tinha encontrado referência acerca destes em nenhuma informação consultada. Estava curiosa acerca da sua história: como tinha começado a sua implantação, quando foram construídos, qual a sua função e sobretudo a relação embrionária de Santos com linhas de água. Será que estes canais têm um precedente ancestral vindo da fundação da cidade ?
A curiosidade levou-nos até ao Instituto Histórico e Geográfico de Santos. Um ideal sítio para começar, já que estava a procurar pistas na geografia e na história de Santos ! No hotel tinham-nos dado um mapa turístico. Finalmente tínhamos em mãos um mapa extremamente bem feito e claro; com gráficos simples, racionais e elucidativos acerca da estrutura e funções da cidade. Mapas não são só para turistas mas também para o mais banal visitante que procura orientação e informações generais acerca da cidade.
Decidimos andar até ao Instituto, cruzar as Avenidas e Canais pelo caminho paralelo ao mar. Levou-nos cerca de 40 minutos a percorrer este caminho e tivemos oportunidade de passar pela Praça da Independência. A Av. Dona Ana Costa é ampla e ladeada com edifícios erguidos na década de 50 e 60, em imensa semelhança com a Av. da República em Lisboa ! Nos seus extremos fica o Monte Serrat e a Praia Gonzaga. As árvores frondosas não nos deixam identificar o Monte Serrat, o monte que aconchega a cidade velha. Com um recorte geográfico semelhante a Natal, Santos é mais plano e atravessado por uma formação rochosa extensa que liga o rio com o mar... O pequeno início (ou fim) desta formação rochosa é o Outeiro de Sta. Catarina, o marco de fundação de Santos, virado para o Rio. Santos é hoje um porto imensamente próspero por dele depender São Paulo.
Quando chegámos ao Instituto fomos amavelmente recebido por Carolina Ramos, uma poetisa de Santos que estava dedicadamente responsável pela organização e catalogação do espólio do Instituto. Mostrou-nos uma série de mapas do início do século onde nos foi possível identificar a génese dos ditos canais. Estes definiram os eixo de crescimento da cidade no início do séc. XX ao mesmo tempo que definiam uma rede infra-estrutural para gestão de águas e esgotos. Na terra de mangue já existia um caminho que ligava o centro antigo com a baia no lado atlântico, chamado o “Caminho da Barra” que mais tarde deu origem à Av. Conselheiro Nébias, entre os Canais 3 e 4. Os canais drenam os terrenos de “mangue”, no qual Santos assenta, conduzem as águas pluviais para o mar e estruturam a cidade de expansão. Esta operação teve como objectivo a implementação de uma rede compreensiva de infra-estrutura de saneamento na cidade, então inexistente. Esta deficiência tinha causado um surto grave de epidemias resultando em milhares de mortes na população de Santos. Saturnino de Brito, engenheiro de formação, foi convidado pela cidade para repensar toda a infra-estrutura de saneamento e expansão da cidade. O primeiro Canal foi aberto em 1907 e os outros 7 foram concluídos até 1927. Tal como Carolina nos dizia “os canais fazem parte da paisagem urbana de Santos !” E como tivemos oportunidade de ler em “A Cidade em Debate”, do jornalista Carlos Mauri Alexandrino: "Eles estão entranhados na alma do santista, pois percorrem toda a planície, como veias abertas onde corre o mar. Neles, sobrevoa, como as garças brancas, o espírito da Cidade".

Definitivamente os canais de Saturnino de Brito não eram canais de fundação, como imaginei quando os identifiquei, mas seria possível encontrar precedentes na história mais ancestral de Santos ? No Instituto ficamos a saber um pouco da história do início do séc. XX porém queria debruçar-me mais precisamente no período do séc. XVI. Para isso dirigimo-nos à Biblioteca Humanitária, frente à Praça José Bonifácio, no centro antigo da cidade. Pela primeira vez iríamos ao centro e para tal iríamos de autocarro pelo Canal 3. E mais uma vez foi impressionante notar no quanto estes canais estruturam a cidade para além de providenciarem habitat para algumas espécies de aves. No entanto, estes canais parecem afectados com alguma poluição. As águas baixam e elevam-se de acordo com as marés e alguns desperdícios sólidos flutuam na sua superfície. Não sei do impacto que estes canais têm na praia. Certamente não deve ser muito já que imensos banhistas habitam as praias da enseada...
Adjacente à Praça ficava a Catedral. Era um edifício relativamente recente de betão aparente a imitar um neo-gótico. Decidimos não entrar pois a praça era convidativa e muito dinâmica. O sol estava forte e muita gente procurava a sombra das frondosas árvores enquanto outros puxavam carros de 2 rodas donde vendiam doces feitos em casa. Não resisti ao cuscus, uma sobremesa feita de côcô e leite condensado.. uhmm deliciosa.
No edifício da biblioteca o silêncio sobrepunha-se ao fervilhar da praça. Duas senhoras recebiam os pedidos dos livros e com elas falei acerca da minha pesquisa: mapas do séc. XVI ou XVII que me falassem da história de Santos. È impressionante a quantidade de livros escolares acerca da cidade de Santos. Parece que reside um orgulho natural na cidade que é disseminado desde idade tenra. Os livros são bem ilustrados e muito descritivos. Acabámos por encontrar uma pequena ilustração de Santos do séc. XVII onde nos foi possível identificar canais de água, chamados de “cubatões”, palavra usada para definir aos viajantes que deveriam mudar de meios de transportes, de aquático para terrestre. Santos começou no Outeiro de Sta. Catarina com a construção de uma igreja depois evoluiu ao longo destas linhas de água que não só providenciavam água fresca aos habitantes de Santos como também possibilitavam meio de transporte ! Consegui identificar 3 canais nos quais a Rua direita se articulava perpendicularmente. Ao longo destes canais as fontes da cidade, as praças, colégios, igrejas e estruturas de defesa alinhavam-se na estruturação da cidade. Hoje estas linhas de água não existem mais pois foram sucessivamente soterradas ao longo dos séc. XIX como resultado da estruturação da zona ribeirinha e crescimento da importância do Porto de Santos. As minhas suspeitas estavam correctas. Os canais de Santos eram o resultado de um a matriz genética já impressa na cidade de fundação ! Mas esta pequena descoberta abriu-me a vontade para saber mais... e foi quando nos aconselharam a visitar a Biblioteca Municipal. Lá poderia encontrar um historiador para trocar algumas ideias acerca de Santos. De lá falaram-nos acerca do Historiador Dionísio de Almeida que se encontra no Outeiro de Sta. Catarina, “ele seria a pessoa ideal para contacto”, disseram. Tínhamos de voltar ao centro no dia seguinte para visitarmos Dionísio pois já era quase a hora de encerramento das instituições culturais.
Enquanto percorríamos o centro notámos que ao longo do monte Serrat existe um “bondinho” que faz a ligação entre a pequena igreja do início do séc. XVII e o centro da cidade. Era uma subida abrupta, mas vindos de Salvador esta diferença de cota parecia adoçada... Mas nas sua encosta inúmeras casas formavam uma paisagem tipo presépio: entre vegetação e caminhos tortuosos aquelas casas, em jeito de desafiar a topografia, formavam uma parede porosa esculpida no monte. Decerto que os habitantes necessitariam de conhecimentos complexos em engenharia para produzirem tais construções.
Voltámos de autocarro para o hotel e apanhámos o n. “Canal 1” !! Também os autocarros eram organizados pelos números dos Canais !
No caminho para o hotel notamos no quanto o pavimento de calçada portuguesa era variado em padrões e motivos! Em todas as ruas, ruelas, avenidas, largos e praças esta técnica e ornamento era omnipresente. Na cidade nova todo o espaço urbano tinha sido concebido em pavimento de calçada portuguesa ! A “onda” era o motivo favorito destes passeios. Isto fez-me lembrar o Rossio, em Lisboa. Estava frio e já o sol se tinha posto há muito. A cidade parece vazia, sem gente a circundar... Era também tempo de voltar para o Hotel.

Monday, August 13, 2007

13.08.2007 (segunda-f) – De partida para Santos

Acordámos com a prioridade de ir ao convento da Penha, pois sabíamos que iríamos demorar tempo a lá chegar. O nosso avião estava reservado para as 14.20. Tínhamos também de ir à Biblioteca da Universidade do Estado Federal do Espírito Santo para consultar cartografia acerca de Vitória que nos pudessem confirmar aquela matriz perceptual, que acreditava ser a base de organização da cidade.
Quando chegámos ao sopé da montanha para o Convento da Pena seguimos para a “Ladeira da Penitência”. Era exactamente como o nome ! Penso que nunca tinha subido uma ladeira tão longa e íngreme como aquela. O caminho de pedra escura (“cabeça de negro”) ladeado por muros pintados a tinta branca dava-lhe uma qualidade escultural imensa. Parecia um caminho que irrompia a floresta densa do monte. Pássaros e macacos saguins pulavam à nossa volta e excertos de orações pintados em tábuas de madeira seguiam no caminho. Quando chegámos ao topo o convento assentava na continuação da rocha, numa pequeno extensão ainda mais alto que o topo e mais perto das nuvens. Dali a vista era magnífica sobre Vitória. Enquanto caminhávamos para a borda da montanha múltiplos saguins acompanhavam os nossos passos. Sentaram-se também no terreiro como se também estivessem a olhar sobre Vitória. Quando entrámos na pequena Igreja do Convento inúmeras placas colavam-se às paredes a agradecer os milagres que Nª Senhora da Pena tinha feito. As datas iniciavam-se desde 1900 até aos anos de hoje. E no corredor pinturas muito antigas da fundação do Convento exibiam-se sem guarda nem desconfiança. Do Convento podia-se ver tudo o que nos circundava para além da cidade de Vitória. Como uma torre de vigia os monges podiam controlar o mar e exibir-se para quem navegava, ver a cidade, a baía e a floresta atrás de Vitória. Isto fez-me perguntar se por acaso os conventos também ofereciam funções de vigia. Aquele era o local mais alto naquela topografia, mais perto do céu e, mais perto de Deus.
Chegámos ao hotel com as pernas a doer pela caminhada na “Ladeira da Penitência”. Penso que tínhamos purgado os nossos pecados para um bom par de anos....
Um taxista estava à nossa espera no hall de entrada enquanto eu tentava procurar numa loja de livros usados alguma história sobre Vitória. O tempo não tinha sido muito em Vitória e o mesmo aconteceria para Santos já que Rio, pela escala e pela informação acumulada em museus e bibliotecas, ira-nos ocupar muito tempo.
Quando entrámos no Táxi e anunciámos o nosso destino, a biblioteca da Univ. Federal do Espírito Santo o taxista disse-nos que o seu tetravô era Português: “reconheço bem esse sotaque” dizia ele. Sempre pensei que o português brasileiro é que tinha sotaque e não o português-português.... Engraçado como as considerações são facilmente trocadas conforme o contexto geográfico onde nos encontramos. Na viagem falou-nos de Vitória e da crescente economia associada à forte industria e ao crescente Turismo de negócio “em vez de lazer”, para o qual Vitória está a construir um novo Aeroporto Internacional. Assim como tínhamos notado quando chegámos, Vitória tem vindo a desenvolver-se imenso; é independente economicamente do Estado pela existência de próspera industria de café, agro-pecuária, minério e extracção de pedra (mármore e granito). A indústria do café, “trazido pelos portugueses”, como sublinhava, tem-se estado a mudar mais para a montanha onde é mais frio, já que nos últimos 20 anos a temperatura tem aumentado cerca de 5 graus. Porém, o nível de indústria, sobretudo mineira, tem produzido elevados níveis de poluição na cidade. Na praia de Camburi, com magníficas vistas para a baía e para as diversas ilhas que pixelam o mar, existem campeonatos mundiais de volley e futebol de praia sem no entanto se puder nadar no mar. Os níveis de mercúrio são elevados e poucos banhistas se arriscam a nadar. Enquanto isso, ao longe, o porto carrega o minério para colossais navios de carga prestes a partir para os mercado internacionais; e gigantes chaminés descarregam densas nuvens de fumo branco para a atmosfera.
Adiante favelas que espreitavam do alto dos montes pareciam mais dignificadas que as outras favelas até então identificadas noutras cidades. O taxista, chamado Walter, falo-nos de que a municipalidade tem um programa especial de re-inclusão destas áreas na cidade. Para tal cede gratuitamente tinta e cimento para o acabamento exterior das casas. Assim cada residente ficará responsável pela requalificação da sua própria residência. De acordo com o Walter este programa tem possibilitado algumas mudanças nessas áreas com reflexos sobretudo na sua dinâmica social. Aumentar o orgulho dos seus residentes parecia o objectivo prioritário.
Quando chegámos à Biblioteca havia um sinal a indicar a greve em percurso. Perguntei a uma estudante o que se passava. Disse-me que o pessoal estava em greve há cerca de 2 meses ! Como será possível uma Universidade funcionar sem uma Biblioteca ? Apesar da minha frustração decidimos tentar a sorte na Biblioteca Pública Estadual. Ao guiarmos pela cidade eram óbvios os eixos visuais às exuberâncias geográficas da baía de Vitória. De certa forma a cidade nova de expansão tinha capturado as premissas perceptuais da velha Vitória. As Avenidas NS da Penha, Av. Leitão da Silva, etc., alinhavam-se na topografia e revelavam a dramática Natureza de Vitória. Esta relação perdeu-se no centro histórico de Vitória mas foi reposto na “nova” Vitória.

Quando chegámos à Biblioteca notamos que estava em remodelação e, por isso, fechada ! Onde se viu uma cidade desta extensão sem uma biblioteca ? Estava completamente frustrada, já que tínhamos decidido ficar mais um dia em Vitória para essa tarefa.... O Taxista foi extremamente atencioso pois procurava encontrar alternativas a todo o custo. Foi em vão. Decidimos ir para o aeroporto e esperar pelo nosso voo.

Voamos de Vitória para o Rio de Janeiro e de lá tínhamos de comprar os bilhetes de para São Paulo de onde seguiríamos para Santos em “onibûs”. Muito complicado ! Chegaríamos tarde a Santos e seria aconselhável a reservar um hotel para onde nos pudéssemos dirigir assim que chegássemos. Mas não foi fácil pois os nossos guias de viagem não continham informação suficiente acerca de Santos !
E mais uma vez o meu coração palpitava em jeito de antecipação do voo através de São Paulo !
Quando chegámos à Rodoviária de São Paulo estava a relembrar a experiência em Nova Olinda: uma estrutura imensamente defensiva e hostil. Porém, foi uma experiência completamente diferente já que a Rodoviária era suficientemente acolhedora, extremamente iluminada, eficiente e com design moderno. Filas de gente aguardavam “onibus” para as redondezas de São Paulo e uma fila pequena organizava-se no sinal para Santos. Eram 9.30 da noite e esta estava cerrada, como se estivesse prestes a desabar chuva forte.
Levámos algum tempo até que o autocarro saísse da cidade e surpreendemente a infra-estrutura de transporte entre São Paulo e Santos revelou-se incrivelmente moderna e ambiciosa comparada com a infra-estrutura viária do Nordeste. Lembro-me do Sr. Baiano, um taxista em Olinda, nos ter falado do quanto o governo investe no Estado de São Paulo e nada Nordeste. Isto porque grande parte das cargas e poder económico se localiza entre São Paulo e Santos, um dos maiores portos do Brasil.

A caminho de Santos parecia que estava a cruzar os Alpes. Os meus ouvidos sofriam a pressão da imensa variação de elevação. Cruzámos o parque estadual da Serra do Mar e um denso nevoeiro estava a acompanhar a nossa descida até ao nível do mar. Essa descida acontecia em vias dedicadas somente a autocarros e camiões. O tráfego automóvel acontecia noutras vias.
Quando chegámos a Santos, à Rodoviária tivemos de perguntar aos taxistas se nos recomendavam algum hotel. Estes imediatamente desaconselharam a ficar no centro já que somente as prostitutas ocupavam os quartos por algumas horas. Perante este “visão” decidimos ir para Gonzaga, a área de expansão nas costas do centro antigo da cidade perto da praia. Ali haviam muitos hotéis onde puderíamos ficar. Enquanto nos dirigíamos para Gonzaga, reparámos na existência de canais de água. Que me lembre Santos não tinha sido invadida por Holandeses e nunca tinha reparado em nenhum mapa na existência destes canais. Diversos canais cortavam a cidade no sentido Norte-Sul, entre o estuário fronteiro à cidade antiga e o Oceano Atlântico.
Perguntei ao taxista que canais eram aqueles. Ele disse que eram “os Canais de Santos. Aquele era o Canal 1 e o anterior era o Canal 3 e existiam mais 7 daqueles.” Os canais intercalam-se com avenidas. Santos “é conhecida como a cidade dos canais” o taxista acrescentou ! Interessante, pois até então era uma situação única em comparação às cidades que tínhamos visitado...
Ficámos instalados num hotel de nome bem Português, “Hotel Caravelas”, no primeiro bloco da praia em frente ao Canal 1. Já era tarde e haviam poucos restaurantes abertos, bem como poucas pessoas na rua. Desde Natal, a cidade mais a norte e mais perto do equador a temperatura tem vindo a diminuir gradualmente para Sul, na direcção da nossa viagem. A brisa fresca indiciava a chuva que estava para vir. Era tempo de encontrar algum aperitivo rápido para jantar e caminhar de volta para o hotel.