Monday, August 27, 2007

27.08.2007 (Segunda-f) - Em Funchal II

De manhã queria ir à Biblioteca Municipal e à DRAC para tentar encontrar cartografia e textos que me pudessem elucidar acerca da evolução urbana da cidade, sobretudo na sua relação com agricultura doméstica. Queria ver quando a articulação entre o rural e o urbano tinham acontecido. Curiosamente, a planta de Mateus Fernandes do séc. XVI já identificava uma série de tipos de espaços não construídos na cidade: as hortas, as vinhas e caniçais. Estes espaços verdes tinham a mesma presença no desenho do que os espaços construídos sugerindo uma relação produtiva entre estes. Penso que esta qualidade endémica do desenvolvimento urbano da cidade do Funchal ainda persiste, sobretudo nas tipologias residenciais.
Já na DRAC fui apresentada ao Historiador Alberto Vieira. Este também se interessava intelectualmente pelo cultivo do açúcar como motivador das transformações físicas do Funchal. Disse-lhe que recentemente tive conhecimento de que a produção do açúcar tinha motivado a colonização no Brasil e da evolução urbana da Madeira. Como era de esperar Alberto já tinha lido o livro de Stuart Schwartz, “Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society” enquanto eu estava no seu fascinante começo.
Falei-lhe de quanto eu achava o Funchal híbrido: entre uma cidade rural e urbana. Concordou dizendo-me que desde da sua génese tem havido uma invasão do espaço rural no espaço urbano e vice-versa. O núcleo inicial do Funchal tinha sido na zona velha motivado por mercadores e imediatamente adjacente a estes blocos estavam organizadas terras para produção agrícola. Esta relação próxima com o rural já vinha nas descrições de Gaspar Frutuoso e identificada no Mapa de Mateus Fernandes, ambos do séc. XVI. Tal como no documento descrevia: “ O tecido urbano, como em parte ainda hoje, encontra-se impregnado de terrenos de hortas, vinhas e canas, que se estendem pelos subúrbios à mistura com terrenos de cultura de cereais....” Esta descrição parece ainda presente nos dias de hoje mantendo presente matriz genética que deu origem ao Funchal.

Na parte da tarde tive oportunidade de conhecer a Arquitecta Diva, também da DRAC. Como estava particularmente interessada em tipologias residenciais parecia-me importante falar com ela. Do seu escritório dava para ver o pátio do edifício donde trabalhava. Disse-lhe o quanto tinha ficado fascinada pela recuperação do Mosteiro de Sta Clara. Entrei no Mosteiro por acaso. Seguia a parede da Rua das Cruzes e o portão de serviço abriu-se deixando-me entrar. Desde da horta, aos pátios, Igreja, Capelas, altares e pinturas tudo parecia cuidadosamente restaurado. Percebi que esta deveria ser a sua obra na qual tem estado a dedicar muitos anos.
Quando lhe perguntei acerca dos jardins e hortas das tipologias residenciais disse-me que “toda a gente gosta de cultivar flores e frutos nos seus quintais. Aqui é muito estranho uma família que não tenha um quintal... estes quintais também ajudam a articular-se com os declives.”
Falou-me que nem só os mercadores tinham terras agrícolas. As ordens religiosas, mais precisamente as Clarissas tinham grandes quarteirões para cultivo. Os interiores dos quarteirões, mais tarde delimitados por construções acabaram por definir manchas verdes na paisagem urbana. Estes, mais tarde, acabariam por ser integrados por questões económicas na própria tipologia residencial na forma de quintais. Ter um quintal era um bem para produção de vegetais, frutas e flores, sobretudo se fosse imediatamente adjacente já que a topografia fazia qualquer acesso complicado.
Falou-me dos artificies e dos mercadores; dos barcos e navios que atracavam no porto; de Gonçalves Zarco e da infortunada sorte das filhas mais novas da nobreza que, sem dotes as suas vidas acabariam em conventos. “Sorte mas também segurança” dizia...
Tinha de observar de mais perto tipologias em que as condições topográficas fossem mais dramáticas e entender como os quintais/hortas se articulavam. Enquanto na minha viagem no teleférico reparei num bairro adjacente à encosta perto do viaduto na Rua da Ribeira de João Gomes. Tinha de o visitar no dia seguinte já que estava ficando escuro. Em vez das cores tinha agora os cheiros libertados com o pôr do sol. A noite oferece-nos a porosidade da paisagem urbana em forma de um picotado fluorescente. Os verdes tornam-se no escuro que não fala e a luminescência das janelas dizem-nos onde está habitado. Parecia-me um plano nolli visto da vertical !