Sunday, August 26, 2007

26.08.2007 (Domingo) - Em Funchal I

De manhã a cidade estava silenciosa. Nem os sinos de nenhuma Igreja conseguia ouvir. Parecia que toda a vegetação em redor alcochoava algum som produzido. Era como se estivesse num anfiteatro coberto por esponja. O som era aveludado deixando somente os pássaros e insectos manifestarem-se nos seus precisos tons.
Queria ir ao museu da cidade. Talvez aí pudesse encontrar alguma da história acerca do Funchal. Acabei por chegar ao Museu de História Natural onde a Biblioteca Municipal se encontrava, Infelizmente, fechada. Mas tive oportunidade de ver o aquário e os animais embalsamados, espécies endémicas da Madeira. Tenho uma estranha relação com os Museus de História Natural. Lembram-me os desejos de conquista pelo exótico, do perpetuar de um momento, da imaginação motivada pelo desconhecido... Os animais alinham-se nas suas poses “naturais”, como se estivessem a atacar, a nadar, a voar a comer em herméticas caixas de madeira e vidro. Tudo parece parado no tempo. E o próprio museu também parece embalsamado. Parecia uma pintura de Natureza morta que imitava o vivo da mesma... Complicado mas fascinante.
Segui pela rua de Sta Catarina, onde no seu cimo havia um miradouro. Neste percurso alguns jardins residenciais formavam um espaço de transição entre a rua inclinada e o espaço privado da casa. O jardim era definitivamente o espaço mediador no qual flores, legumes e árvores cresciam. Portanto era infra-estrutural e produtivo ! A presença de pátios, jardins e quintais nas tipologias residenciais parecia omnipresente no Funchal, lembrando-me da descrição por Rui Carita da Planta de Mateus Fernandes de 1570. É frequente encontrar nas ruas do Funchal diversas tipologias residenciais em que o jardim, horta ou quintais são parte integrante e característica da mesma. No meu entender são estas tipologias que conferem à cidade a sua porosidade, permitindo que o verde a invade. Estas tipologias são performativas e simultaneamente infra-estruturais e a sua presença na paisagem do Funchal é de fundação. Acredito que este é a matriz genética do Funchal é mais próxima da terra do que do mar, mais “verde” do que azul, mais produtiva do que qualquer cidade que até agora visitei. E talvez por isso somente exista o Mercado dos Lavradores... Resquícios deste modus operandi também se reflectia na formação da paisagem urbana de Santos e, sobretudo, na de Olinda. Penso importante reflectir no papel do “chão” no urbanismo de hoje em dia através das suas qualidades produtivas e infra-estruturais. No modernismo houve uma separação com o “chão”em paralelo com a separação das funções. Houve um entendimento pragmático da cidade anulando a criatividade associada a co-existências, tal como o viver+produzir. Ao ver estas tipologias reparo que esta articulação funcional possibilitou a complexidade desta tipologia que se articula em simultâneo no “chão” onde assenta ao mesmo tempo que produz alimentos para consumo próprio. O jardim transforma-se numa outra “divisão” da casa que é o espaço de transição, produção ou, simplesmente deleite. Na visita ao Convento de Sta. Clara a irmã Gabriela dizia-me que “toda o madeirense gosta de flores !”
Quando a Madeira foi colonizada desde cedo foi entendido o seu potencial para o cultivo e exportação. A terra é muito fértil, existe muita água e madeira, porto de boa capacidade, ar húmido e temperatura constante. A sua localização também expunham a Madeira ao comércio do Mediterrâneo. Sempre cobiçada a Madeira tinha sido alvo de muitos saques durante a sua história. Hoje o turismo impõe pressão na cidade e a porosidade do tecido urbano parece ameaçada por blocos que os construtores procuram maximizar. No centro um projecto de Ricardo Bofill toma o bloco por completo para a construção de um complexo residencial e comercial, ao meu ver, sem níveis suficientes de porosidade. E, não é só plantarem-se muitas árvores que o projecto “actua” como verde !
Caminhei de volta pelo cais da cidade até à Zona Velha. Ali encontrei o “Story Center” da Madeira onde, por surpresa minha revelavam os múltiplos meios de transporte da ilha. A necessidade em carregar produtos e pessoas tinha produzido uma série de diferenciados transportes. Mas, inversamente a Salvador, onde os transportes foram essenciais na evolução da cidade, aqui pareciam existir esparsamente pela cidade perto das encostas dos montes a uma escala mais pequena. Excepcionalmente as “Levadas” são uma infra-estrutural hidráulica incrível que existem nas montanhas do interior da ilha. Estas permitem uma distribuição racional e controlada da água por toda a ilha que ao mesmo tempo fornecem caminhos pedonais que ligam as diversas vilas. Quando saí do “Story Center” já era tarde e a noite já se anunciava. Da Marina os cantores que animavam as festas turística tentavam o seu melhor e faziam-no energeticamente demais para mim. Caminhei de volta ao hotel e agarrei jantar pelo caminho...