Saturday, August 25, 2007

25.08.2007 (Sabado) - Ida para o Funchal

Voei do novo Terminal 2 do Aeroporto da Portela destinado a voos internos de curto trajecto. Decerto vai aliviar o Aeroporto considerando a pressão do Verão por motivos turísticos.
O voo durou 1.5 horas. Ao meu lado uma criança de 6 anos estava sentada e irrequieta. É uma óptima distracção. As suas pernas não paravam no mesmo sítio, as suas mãos tocavam em todos os botões e impressões, queria comer o que não tinha e beber o que não havia; acabou por dar uma só dentada na sanduíche que a hospedeira lhe deu e beber um golo de água. Era do Funchal mas não tinha o sotaque da Madeira. “Passa imenso tempo em Rio Maior” disse-me a mãe que lhe ordenava a todo o minuto a fechar os olhos para dormir...
No público lia uma notícia acerca de Silves. Surpreendentemente tinha havido um ataque de um grupo ecologista (Verde Eufémia) à plantação de milho transgénico que se tem vindo a desenvolver na minha (outra) terra ! Que combinação estranha esta: milho transgénico em Silves.... Na cidade onde se cultivam as melhores laranjas do país sem a intervenção da ciência, somente pela qualidade do solo, do sol e da água...
Surpreende-me também o facto de haver um movimento activista, que escolhe a acção directa para se manifestar, em Portugal. Tenho como impressão que os Portugueses, infelizmente, não têm tradição de manifestar activamente as suas convicções. No artigo é citado o sociólogo francês Le Goff de uma entrevista sua em 2003 à revista Technikart acerca dos novos activismos anti-globalização: “ existe nesta sociedade asfixiada uma demanda muito forte de paixão e de intensidade”. Penso que esta frase é soberba...
Quando chegamos ao Funchal uma imensa mancha verde foi-me revelada. Essa começava de um verde escuro, imerso em neblinas passageiras, que se diluía gradualmente até à costa. Pareciam montanhas esculpidas ao longo dos séculos, feita em socalcos e muros de pedra a limitarem as parcelas de produção. Tudo era articulado de maneira a maximizar a exposição solar e o uso do solo. O caminho por onde o autocarro nos levou era entre a terra e o mar, entre o verde e o azul. A massa urbana erguida na encosta era muito porosa, adensando-se mais para as áreas de contacto com a água. Do cimo daquela estrada a vista era magnífica. Não havia nada que obstruísse a nossa vista do lado do mar. Este era contínuo até perder de vista e, se a terra não fosse redonda, talvez pudesse avistar a costa de África, pensei...
Cheguei na Praça da Autonomia, entre as ribeiras e frente ao Mercado dos Lavradores. Perguntei a mim mesma se haveria o Mercado dos Pescadores... Não !
De dentro os homens carregavam cestos de verga vazios nas costas para os camiões à espera de serem carregados e carrinhos de metal moviam caixas de papelão com os desperdícios do dia. A venda tinha acabado para o fim de semana. “Agora só na segunda-feira”, disse-me o segurança que me expulsou de imediato em muita dedicação ao seu trabalho.
Curiosamente, pareceu-me gerações multifamiliares que exerciam esta actividade. Filhos continuam o que os pais fazem. Penso que não se passa o mesmo em Portugal A Madeira tem um solo muito fértil para a agricultura, facto que se tornou na centro de produção de cana de açúcar no séc. XV, pouco antes da colonização do Brasil.
O teleférico tinha chamado a minha atenção na Zona Velha, pois cruzava a cidade, perpendicular ao mar, até ao cimo da montanha. Nele eu poderia cruzar o anfiteatro que é Funchal e ver a cidade de cima. Foi interessante ver como a cidade é pintalgada por manchas verdes por todo o lado. O manto verde da montanha contamina a cidade e esta, cobrindo aqui e ali, deixa o verde tomar espaços públicos, privados: uns por lazer, outros por produção, outros por puro deleite e outros por vaidade. O verde também se revela laranja, amarelo, rosa e azul, cores das flores e frutos que os múltiplos quintais e pátios exibem. Dali também consegui avistar os pavimentos da cidade que eram, mais do que nalguma cidade que visitei até agora, exuberantemente ornamentais. Cada rua, praça, largo, praceta, passeios ou travessas... tinha uns iconografia distinta. Questionava para mim própria se estas ruas/praças eram conhecidas pelos nomes ou pelos padrões que as mesmas exibiam: a rua das listas, a praça dos laços, a praceta dos quadrados, a rua das bolas, a travessa das tranças... extremamente ornamental, tal como os seus bordados ! Muito cenográfico ! Porém, é importante realçar o lado performativo destes pavimentos: a sua porosidade permite escoar as águas pluviais evitando inundações abruptas no espaço urbano. È necessário que se lembre que não este pavimento não é somente cenográfico mas também acumula funções infra-estruturais. Uma vez que se substitua esta tipo de pavimento por outro menos permeável decerto que inundações ocorrerão mais frequentemente !
Funchal parecia-me Olinda: as tipologias residenciais, a porosidade entre a massa construída e o verde, a relação (in)existente com o mar e, os seus bordados ! Não tinha encontrado informações acerca disto mas acreditava que em Olinda muitos madeirense se tinham instalado para a produção de açúcar já que estes tinham o conhecimento técnico da sua produção e mecânica. Foi este factor que me fez pensar acerca das tipologias residenciais. Tal como em Olinda as residências tinham uma forte componente de “verde” no seu interior. A presença de pátios e jardins era omnipresente nos tipos residenciais e, simultaneamente, ofereciam articulações hábeis com a acidentada topografia. Tal como em Santos o historiador Dionísio nos disse: “muitos madeirenses tinham vindo para Santos para colonizar a acidentada topografia”. Talvez o mesmo se tenha passado em Olinda...
Quando entrei numa loja de antiguidades no centro antigo um mapa de 1950 estava exposto e curiosamente as frutas e flores, os bordados e o vinho estavam tão enumerados como os próprios monumentos da cidade, como se aqueles fossem também parte do que é “histórico” da cidade !
Tendo sido o Rio de Janeiro a última cidade que visitei no Brasil, onde a relação com o mar é tão forte, no Funchal essa relação parecia menos imediata. Ao vaguear pela cidade reparei que a frente de mar era isolada do resto da cidade com edifícios ou espaços maioritariamente dedicados ao turismo ou atracagem. O Porto tinha sido grande outrora: barcos de grande porte atracavam na baía e os pequenos barcos faziam o transbordo de passageiros e produtos. Na frente mar as pessoas pareciam inexistentes excepto na zona nova da Marina. No centro, somente alguns pescadores tomavam informalmente o cais para testar a sua sorte ou famílias tomavam a praia do Forte. A maior parte dos bebedouros e chafarizes estavam escondidos ou integrados nalguma parede. Estes não eram elementos estruturantes para o desenvolvimento da cidade. As Ribeiras estavam afundados e cobertos por buganvílias que os tornavam “camuflados”. Tinha lido que por volta de 1800 uma grave cheia aconteceu nas Ribeiras e terras desabaram arrastado os edifícios nas suas mediações. Novos projectos de saneamento foram implantados para proteger a cidade de futuras inundações. Paredes de betão foram levantadas a uma altura que obrigou a elevação da adjacente rua a subir alguns metros. A água, de facto, era um bem da cidade que despontava de todo o lado e não era um bem preciso que necessitasse de alguma dignificação. Porém, Funchal sempre foi uma cidade de dualismos: entre a terra e o mar, entre o azul e o verde, entre o local e o internacional, entre o agricultor e o mercador e entre o urbano e rural. O comércio com rotas Atlânticas sempre foi muito intenso devido à elevada produção de açúcar e comerciantes judeus, italianos, alemães e holandeses sempre constavam na lista de habitantes da vila, tal como Gaspar Frutuoso nos diz nos seus livros “Saudades da Terra”, uma descrição da vila do século XVI.

O centro do Funchal à noite era muito silencioso. Turistas (sobretudo espanhóis, alemães e franceses) cruzavam esparsamente as ruas estreitas carregando máquinas fotográficas prestes a disparar. Haviam sempre detalhes a chamar a sua curiosidade e cantos floridos onde, imóveis, lhes ofereciam as melhores molduras.
A madeira tem sido sempre palco, residência e posto de troca com uma população internacional. Desde cedo Funchal foi habitado por mercadores por causa do seu posto comercial e, mais tarde, com o desenvolvimento dos transportes marítimos e aéreos na década de 30, Madeira abriu-se para um turismo de escala internacional. Hotéis coabitavam com as quintas e com as hortas para oferecer aos turistas o ambiente ideal aos seus problemas de saúde ou simplesmente aos desejos de lazer.
Ao caminhar na zona velha alguns pátios deixavam derramar braças de vinhas plantadas no seu interior, anunciando a presença de quintais. Apesar do compacto tecido urbano na zona velha ainda existiam pequenos pátios e jardins que anunciavam a outrora forte presença rural daquela área.
A noite, do terraço do hotel, via as luzes da casas da encosta lembrando-me que um anfiteatro estava a olhar para o mar e que eu, estava entre eles...