Friday, August 17, 2007

17.08.2007 (Sexta-f) - No Rio I

Hoje tínhamos de comprar as duas publicações que vimos no Instituto Histórico e Geográfico: “ As Cidades do Salvador e Rio de Janeiro no Século XVIII” e sobretudo o “Atlas da Evolução Urbana da Cidade do Rio de Janeiro. 1565-1965”. O Instituto era um profícuo editor. Muitas publicações sobre a história das cidades brasileiras vinham desta instituição que, como outros Institutos, tinha sido fundado com o século XIX quando a necessidade de acumular e catalogar informação histórica era o zeitgeist da altura.
Hoje tínhamos um encontro com a Dr.ª Beatriz, historiadora e directora do Arquivo Geral da cidade. Desta vez fomos de táxi pois a paragem do mêtro ficava longe do Arquivo. Aqui iria procurar encontrar algum feedback acerca dos meus pensamentos sobre a “linha espessa” e a sua consequência na urbanidade do Rio. Aqui fomos recebido gentilmente. Porém, factos da história cruel do Brasil saíam da boca da Dr.ª Beatriz. Focada na história das mulheres judias no Brasil relatos da sua vivência lembravam-me a pesada “herança” da minha história colonial...
Falei-lhe da minha percepção do Rio, da potencial matriz genética de fundação da cidade na urbanidade distinta que a caracteriza. Disse que não acreditava que assim fosse, pois a população negra em muito tinha influenciado a vivência da cidade e dos espaços públicos, sobretudo na dimensão das festividades da cidade ! Concordei acerca da importância do perfil demográfico da cidade no séc. XVII mas simultaneamente lembrei-me que o samba tinha tido como lugar de origem as bases do morro da Conceição, adjacente à “linha espessa” de programas e actividades cívicas, residenciais, religiosas, administrativas e comerciais. Não obtive uma confirmação clara acerca do que estava a pensar. Tal como nos médicos tinha de procurar outra opinião...
Telefonámos para o Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro para falar com a Dr.ª Heloísa Queirós. Possivelmente poderíamos trocar algumas ideias acerca da história da evolução urbana do Rio. Este museu ficava no outro lado da cidade, na gávea perto da favela da Rocinha e só puderíamos ir de táxi, outra vez. Localizado no parque da cidade o Museu estava rodeado por uma vegetação espessa que gradualmente se adensava no o alto do monte, onde o Museu se encontrava. A luz filtrada, os sons de macacos(?) e inúmeros pássaros lembravam-me que estávamos numa floresta tropical. Vindos da área densamente urbana agora penetrávamos noutro mundo... Quando lá chegámos não estava ninguém na sala de exposições. Em exibição estavam algumas maquetas, pinturas a óleo e armaduras em ferro. Parecia que a colecção estava em remodelação mas foi interessante ver as pequenas maquetas com uma vila índia antes dos portugueses se terem instalado e ver a vila de São Sebatião (Rio de Janeiro) quando se desenvolveu no séc. XVI. Ali foi importante notar que os 2 morros, um por questões militares e outro espirituais, foram os primeiros pólos a serem desenvolvidos. Depois a rua direita ligou estes dois pontos para o desenvolvimento da vila !
Perguntei a Heloísa acerca do programa que preenchia esta faixa habitada entre os 2 morros (ao que eu chamo a “linha espessa”). Disse-nos que era um mistura de funções que se abria para o mar, lugar de comércio e trocas culturais. Quando lhe falei da relação formal entre a curva de Copacabana e o eixo viário de Brasília então proposto por Lúcio Costa, Heloísa reagiu com surpresa pois nunca tinha relacionado as duas cidades... Aconselhou-nos a visitar o Instituto Pereira Passos pois lá havia uma livraria com imensa bibliografia acerca da cidade; e não estava enganada ! O sol estava a pôr-se e uma enorme nuvem de mosquitos atacavam a câmara, os casacos, as pernas despidas, os dedos, a cara.... Tudo o que se mexesse! No parque existia imensa água e humidade correspondente, o seu habitat. Como ela nos disse era tempo de fechar as portas ! Pudera imaginar os Portugueses e os europeus quando aqui chegaram sendo “comidos” por mosquitos!
Regressámos à “cidade” e pedimos ao taxista para nos deixar no Largo do Machado. Antes de acabar o dia queria procurar mais alguma bibliografia sobre o Rio. Pedimos ao taxista que seguisse pela costa de Ipanema e Copacabana pois é sempre um prazer ser contagiado pela dinâmica destas áreas. As praias e os calçadões estavam cheios de gente de todas as idades a toda a hora; de manhã, à tarde e à noite. Considerando que é “inverno” no Brasil as praias mostravam-se indiferentes a esse facto.
Hoje o dia tinha sido pouco eficiente. Perdemos demasiado tempo a cruzar a cidade e o tráfego era imenso. Mas apesar de ainda não ter conseguido uma confirmação “ideológica” acerca da minha especulação estava bastante segura com o que tinha descoberto até então através dos diagramas, mapas e dados históricos que tínhamos conseguido. Estava muito curiosa já que não havia “receita” unânime para a evolução da particular urbanidade do Rio. Assim é de esperar pois cidades são complexas e as disciplinas através das quais decifram a cidade são díspares assim como as suas conclusões. Ainda bem que assim é pois revela o quanto as cidades são feitas de diversas layers de entendimento...
O Largo do Machado é um projecto de Burle Marx feito na década de 50. Com inúmeras arvores exóticas o Largo está diferenciado em distintas zonas de passiva e activa recreação. No centro, ausente de qualquer copa as crianças correm livremente enquanto adultos sentados nas bandas ondulantes de betão acompanham os seu movimentos. Ao longo das ruas adjacentes os velhos jogam às cartas e ao dominó e fazem apostas. Exactamente como em Portugal. O pavimento, como Burle Marx nos habituou, é rico em cor e forma. Plasticamente articula a superfície do largo e as diversas zonas deste.
Decidimos voltar ao hotel a pé, pela rua do Catete. O comércio estava quase a fechar mas mesmo assim pessoas corriam para cima e para baixo nesta rua sempre em permanente fernezim. Definitivamente era um dos mais activos eixos comerciais para os habitantes do Rio. Parámos na Glória, onde o nosso hotel ficava, e estacionámos na esplanada do café a beber cerveja fresca... E lembrei-me que estávamos a 2 dias antes de abalar...