Thursday, August 16, 2007

16.08.2007 (Quinta-f) - No Rio

Acordámos com um pássaro na janela. O sol batia nas portadas e estava quente enquanto ele aninhava-se no canto mais solarengo.
Era tempo de acordar com o bom tempo afinal de contas estávamos no Rio de Janeiro !! Rio é uma cidade lindíssima. A primeira vez que a visitei há 4 anos atrás jurei que era a cidade mais impressionante que alguma vez tinha visitado. Será que vou manter a mesma impressão desta vez ? Na altura passei a maior parte do meu tempo em Ipanema e Copacabana. Agora estou no centro da cidade.
Antes de iniciarmos a nossa caminhada tinha de tratar de algumas burocracias. Percorremos a Rua Catete à procura de um Banco. Tinha de tratar do pagamento do livro que tinha comprado on-line para que o pudesse receber no dia seguinte. Este percurso revelou-se extremamente dinâmico pois a Rua Catete era como o nervo central de toda a zona da Glória, entre a Lapa e o Flamengo. Eram 10 da manhã de quinta-feira e parecia que toda a gente do bairro estava na rua ou a comprar ou a vender ou, infelizmente para nós, na fila do Banco no qual tínhamos de fazer a transacção...
No caminho encontrámos uma livraria Sebo. Desfolhámos livros de fotos antigas do Rio. Não sabia o que procurar no Rio... O que era distinto na cidade ? Decerto a sua urbanidade, o seu charme a sua paisagem feita de explosões topográficas. Tal como em Vitória a paisagem era imensamente impressionante. Porém, no Rio a sua escala é monumental em todos os seus atributos. Mas será que esta característica influenciou a forma urbana do Rio ?
Precisava de um mapa para me orientar. Necessito de mapas pois se me orientar pela minha percepção perco-me ! Geralmente não sou muito racional no entendimento das cidades guio-me por sinais e por elementos que captam a minha atenção, por cheiros e actividades nas ruas. Como estes mudam assim se desvanecem os meus pontos de referência. Daí que os meus “ancoradouros” têm de ser mapas !
Havia um posto de turismo algures na centro, perto da Biblioteca Municipal. Tomámos o mêtro na Glória para Cinelândia, a paragem seguinte. Rio de Janeiro tem uma rede de transportes bastante eficiente. O mêtro corre muito frequentemente (5 min entre comboios) e os autocarros cobrem a cidade na sua enorme extensão. O mêtro tem instalações muito amplas, em boa manutenção e a construção parece recente. A paragem de mêtro era em frente à Biblioteca Municipal, na monumental Av. Rio Branco. Haviam 2 grande avenidas que cruzam o centro: a Av. Presidente Vargas e a Av. Rio Branco. Estas tinham imposto um traçado regular na cidade antiga e estabelecido a monumentalidade necessária a uma cidade Imperial.
A Biblioteca Nacional, juntamente com o Teatro, Banco do Brasil, Museu Nacional de Belas Artes ou Museu de História Natural foram resultado da extensa reestruturação urbana do início do séc. XIX quando a família real e a inúmera aristocracia se instalaram na cidade. Esta já era a capital administrativa da colónia desde dos inícios do séc. XVIII quando foi encontrado ouro e diamantes de Minas Gerais. A proximidade do Rio com Minas Gerais em relação a Salvador tinham produzido a transferência de título de capital para o Rio. Também a proximidade dos mercados do Rio da Prata e Argentina, e a sua localização estratégico entre Europa (para exportação de produtos) e entre África (para o comércio de escravos) tornaram Rio na definitiva capital do Brasil. O eixo comercial entre Rio, Buenos Aires, Lisboa e Angola era muito forte pois as correntes marítimas assim o ajudaram. Com a chegada da família real transformou-se na capital do Império com as respectivas transformações urbanas. Decerto que factores económicos motivaram a instalação da família real no Rio de Janeiro mas, como alguém nos dizia, “Rio de Janeiro sempre foi uma cidade charmosa !” A sua natural monumentalidade, a sua intensa cenografia feita dos variados perfis topográficos, a exuberante vegetação, as elegantes baías e a excêntrica topografia que actua como o perfeito pano de fundo para qualquer cerimónia, fizeram do Rio uma cidade excepcionalmente distinta; facto pelo qual viajantes registaram a sua paisagem em inúmeras gravuras do séc. XVIII e XIX.
Rio não só era estrategicamente bem localizada e exposta ao comércio do Atlântico mas também possuía uma beleza imponente, à escala imperial !
Tal como as outras cidades que visitámos, também o Rio teve a produção de açúcar como primeira indústria. Porém, sem níveis de produção elevados (devido à qualidade dos terrenos), mas estrategicamente bem localizada, Rio foi sempre uma cidade mais administrativa e comercial do que as demais. Talvez por estes factores a sua relação com a baía e com o mar tenha sido mais intensa do que com a terra. Rio é uma cidade que está virada para o mar pois a própria cidade é um porto natural recortado com as suas múltiplas enseadas numa baía defensável.
Gostaria de entender como é que a cidade foi fundada e que estruturas físicas se desenvolveram ao longo da baía. A Biblioteca Nacional revelou-se extremamente burocrática e complexa para a consulta de mapas. Isto lembrou-me que estava numa cidade grande e numa casa de grande peso institucional.
Passámos a manhã a andar no centro, por entre a Rua do Ouvidor, a Praça 15 de Novembro, Rua do Rosário, Rua Debret, Rua do Carmo, Praça Pio X e foi impressionante notar o quanto intensa é a actividade do centro. Existem inúmeras instituições culturais, edifícios do governo e muito comércio. Na quase ausência de turistas o centro estava cheio de diversas gentes na pausa do trabalho ou das escolas. Também tínhamos parado para um sushi. Estava com saudades de comida japonesa.
Decidimos ir ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Nas outras cidades que visitámos encontrámos sempre alguém disponível para nos mostrar informação cartográfica e iconográfica. Conhecemos o historiador Pedro Tórmita, que nos sugeriu consultar uma publicação do Instituto acerca da evolução histórica da cidade. Ao desfolhar esta publicação diagramas explicando a evolução da forma urbana do Rio eram analiticamente organizados. Nestes havia uma permanência consistente: uma linha paralela à enseada onde outrora foi a Rua Direita. Esta “rua direita” era a única rua direita que conhecia com a forma de um arco paralelo à enseada ! Vindo da tradição medieval esta rua direita foi “deformada” pela forma natural da enseada onde a cidade se formou e nela uma mistura de funções comerciais, administrativas, religiosas, cívicas e residenciais se aglomeravam com a presença de mercadores, visitantes e nobres de todo o mundo: o convento do Carmo, a Casa do Governador e Alfândega, a Casa da Moeda, o Cais, os Armazéns, a Misericórdia, comércio e edifícios residenciais. Esta era a urbanidade primordial do Rio. Penso que é nesta “linha espessa” desenvolvida entre o morro do Castelo e o morro de São Bento que reside a matriz genética do Rio e que tem repercussões na urbanidade do Rio. Apesar das transformações resultantes das aspirações do séc. XIX e XX aquela matriz sobreviveu no espírito do Rio pela urbanidade única que exalta. Comparativamente às outras cidades que visitámos tal como Natal, Olinda, Salvador, Vitória ou Santos, Rio de Janeiro tinha uma relação muito próxima com a linha de mar, física e emocionalmente, económica e culturalmente. Hoje se visitarmos Copacabana, Ipanema ou Botafogo vemos espelhado este estilo de vida: uma relação primordial com a praia, um dos maiores espaços públicos da cidade. O mar (ou praia) é o palco da cidade e aqui toda a gente partilha o mesmo espaço 24 horas por dia, Inverno ou Verão ! Esta é a urbanidade do Rio de Janeiro, particular e distinta das demais cidades, inspiração para a Bossa Nova e símbolo de um estilo de vida cosmopolita. Naquele momento lembrei-me de um comentário de Farés-El-Dahdah, autor do livro “Lucio Costa-Brasília’s Superquadra”, fez acerca do eixo viário de Brasília: Parece que Lucio Costa queria simular a experiência perceptual da curva de Copacabana pois acreditava que esta era a génese da sua urbanidade múltipla. Pois bem, parece que a génese dessa mesma curva (da forma como foi desenvolvida formalmente) se encontra na primordial “linha espessa”. Gostaria de trocar estas impressões com alguém que pudesse confirmar esta “espessura” programática da frente urbana do Rio do séc. XVI. O historiador Tórmita aconselhou-nos a visitar o Arquivo Geral da cidade localizado na cidade nova. Tínhamos conseguido uma visita para o dia seguinte já que o sol se estava a pôr. Entretanto ainda tivemos tempo de percorrer a “rua direita” que era “um arco” ! Aquela hora não havia muita gente na rua. Os funcionários das diversas instituições governamentais já tinham acabado os seu horário de trabalho e os turistas, possivelmente, já se tinham recolhido nas áreas de Ipanema, Bota-Fogo ou Copacabana. Enquanto isso a gente sem abrigo procurava áreas menos iluminadas para passar a noite nos lobbies fechados dos edifícios governamentais. Era tempo de voltar.
Decidimos passar a noite na Lapa e possivelmente treinar alguns passos de samba ! Desta vez fomos a pé, cruzando o centro, e em frente ao Teatro Municipal a população erudita, e bem vestida, aguardava o primeiro show de ballet em cena.
Chegámos ao largo da Lapa e os impressionantes Arcos eram o “gateway” para a celebração que parecia existir do outro lado. Cenograficamente iluminado os Arcos ofereciam o carismático cenário para o dinâmico pulsar que havia em seu redor. Centenas de jovens aninhavam-se ao longo da Av. Men Martins a beber chopinhos e a ver quem passava. Piropos ouviam-se por toda a parte e fumo a “maconha” pairava, descontraidamente, no ar. Era uma atmosfera contagiante e animada.
Acabámos a noite num restaurante português a comer bacalhau à Gomes de Sá e a tentar dançar salsa.