Tuesday, August 14, 2007

14.08.2007 (Terça-f) - Em Santos

Nos pequenos almoços do Brasil é comum oferecerem fruta. Desde que aqui estamos temos sido presenteados todas as manhãs com papaias, bananas, melão, melancia, manga, uvas. Se não fossem os doces que tenho comido até poderia considerar uma dieta bastante saudável.
As praias urbanas de Santos reflectiam a divisão da cidade em canais já que apresentavam nomes distintos entre eles. Os 6 canais dividiam a longa enseada em 7 diferentes praias: Praia José Menino, Praia da Pompéia, Praia do Gonzaga, Praia do Boqueirão, Praia do Embaré, Praia da Aparecida, Ponta da Praia. Esta, como o nome indicava era a última praia antes da entrada da foz com a presença do entreposta de pesca e do porto.
A presença dos canais foi uma surpresa total para mim. Nunca tinha encontrado referência acerca destes em nenhuma informação consultada. Estava curiosa acerca da sua história: como tinha começado a sua implantação, quando foram construídos, qual a sua função e sobretudo a relação embrionária de Santos com linhas de água. Será que estes canais têm um precedente ancestral vindo da fundação da cidade ?
A curiosidade levou-nos até ao Instituto Histórico e Geográfico de Santos. Um ideal sítio para começar, já que estava a procurar pistas na geografia e na história de Santos ! No hotel tinham-nos dado um mapa turístico. Finalmente tínhamos em mãos um mapa extremamente bem feito e claro; com gráficos simples, racionais e elucidativos acerca da estrutura e funções da cidade. Mapas não são só para turistas mas também para o mais banal visitante que procura orientação e informações generais acerca da cidade.
Decidimos andar até ao Instituto, cruzar as Avenidas e Canais pelo caminho paralelo ao mar. Levou-nos cerca de 40 minutos a percorrer este caminho e tivemos oportunidade de passar pela Praça da Independência. A Av. Dona Ana Costa é ampla e ladeada com edifícios erguidos na década de 50 e 60, em imensa semelhança com a Av. da República em Lisboa ! Nos seus extremos fica o Monte Serrat e a Praia Gonzaga. As árvores frondosas não nos deixam identificar o Monte Serrat, o monte que aconchega a cidade velha. Com um recorte geográfico semelhante a Natal, Santos é mais plano e atravessado por uma formação rochosa extensa que liga o rio com o mar... O pequeno início (ou fim) desta formação rochosa é o Outeiro de Sta. Catarina, o marco de fundação de Santos, virado para o Rio. Santos é hoje um porto imensamente próspero por dele depender São Paulo.
Quando chegámos ao Instituto fomos amavelmente recebido por Carolina Ramos, uma poetisa de Santos que estava dedicadamente responsável pela organização e catalogação do espólio do Instituto. Mostrou-nos uma série de mapas do início do século onde nos foi possível identificar a génese dos ditos canais. Estes definiram os eixo de crescimento da cidade no início do séc. XX ao mesmo tempo que definiam uma rede infra-estrutural para gestão de águas e esgotos. Na terra de mangue já existia um caminho que ligava o centro antigo com a baia no lado atlântico, chamado o “Caminho da Barra” que mais tarde deu origem à Av. Conselheiro Nébias, entre os Canais 3 e 4. Os canais drenam os terrenos de “mangue”, no qual Santos assenta, conduzem as águas pluviais para o mar e estruturam a cidade de expansão. Esta operação teve como objectivo a implementação de uma rede compreensiva de infra-estrutura de saneamento na cidade, então inexistente. Esta deficiência tinha causado um surto grave de epidemias resultando em milhares de mortes na população de Santos. Saturnino de Brito, engenheiro de formação, foi convidado pela cidade para repensar toda a infra-estrutura de saneamento e expansão da cidade. O primeiro Canal foi aberto em 1907 e os outros 7 foram concluídos até 1927. Tal como Carolina nos dizia “os canais fazem parte da paisagem urbana de Santos !” E como tivemos oportunidade de ler em “A Cidade em Debate”, do jornalista Carlos Mauri Alexandrino: "Eles estão entranhados na alma do santista, pois percorrem toda a planície, como veias abertas onde corre o mar. Neles, sobrevoa, como as garças brancas, o espírito da Cidade".

Definitivamente os canais de Saturnino de Brito não eram canais de fundação, como imaginei quando os identifiquei, mas seria possível encontrar precedentes na história mais ancestral de Santos ? No Instituto ficamos a saber um pouco da história do início do séc. XX porém queria debruçar-me mais precisamente no período do séc. XVI. Para isso dirigimo-nos à Biblioteca Humanitária, frente à Praça José Bonifácio, no centro antigo da cidade. Pela primeira vez iríamos ao centro e para tal iríamos de autocarro pelo Canal 3. E mais uma vez foi impressionante notar no quanto estes canais estruturam a cidade para além de providenciarem habitat para algumas espécies de aves. No entanto, estes canais parecem afectados com alguma poluição. As águas baixam e elevam-se de acordo com as marés e alguns desperdícios sólidos flutuam na sua superfície. Não sei do impacto que estes canais têm na praia. Certamente não deve ser muito já que imensos banhistas habitam as praias da enseada...
Adjacente à Praça ficava a Catedral. Era um edifício relativamente recente de betão aparente a imitar um neo-gótico. Decidimos não entrar pois a praça era convidativa e muito dinâmica. O sol estava forte e muita gente procurava a sombra das frondosas árvores enquanto outros puxavam carros de 2 rodas donde vendiam doces feitos em casa. Não resisti ao cuscus, uma sobremesa feita de côcô e leite condensado.. uhmm deliciosa.
No edifício da biblioteca o silêncio sobrepunha-se ao fervilhar da praça. Duas senhoras recebiam os pedidos dos livros e com elas falei acerca da minha pesquisa: mapas do séc. XVI ou XVII que me falassem da história de Santos. È impressionante a quantidade de livros escolares acerca da cidade de Santos. Parece que reside um orgulho natural na cidade que é disseminado desde idade tenra. Os livros são bem ilustrados e muito descritivos. Acabámos por encontrar uma pequena ilustração de Santos do séc. XVII onde nos foi possível identificar canais de água, chamados de “cubatões”, palavra usada para definir aos viajantes que deveriam mudar de meios de transportes, de aquático para terrestre. Santos começou no Outeiro de Sta. Catarina com a construção de uma igreja depois evoluiu ao longo destas linhas de água que não só providenciavam água fresca aos habitantes de Santos como também possibilitavam meio de transporte ! Consegui identificar 3 canais nos quais a Rua direita se articulava perpendicularmente. Ao longo destes canais as fontes da cidade, as praças, colégios, igrejas e estruturas de defesa alinhavam-se na estruturação da cidade. Hoje estas linhas de água não existem mais pois foram sucessivamente soterradas ao longo dos séc. XIX como resultado da estruturação da zona ribeirinha e crescimento da importância do Porto de Santos. As minhas suspeitas estavam correctas. Os canais de Santos eram o resultado de um a matriz genética já impressa na cidade de fundação ! Mas esta pequena descoberta abriu-me a vontade para saber mais... e foi quando nos aconselharam a visitar a Biblioteca Municipal. Lá poderia encontrar um historiador para trocar algumas ideias acerca de Santos. De lá falaram-nos acerca do Historiador Dionísio de Almeida que se encontra no Outeiro de Sta. Catarina, “ele seria a pessoa ideal para contacto”, disseram. Tínhamos de voltar ao centro no dia seguinte para visitarmos Dionísio pois já era quase a hora de encerramento das instituições culturais.
Enquanto percorríamos o centro notámos que ao longo do monte Serrat existe um “bondinho” que faz a ligação entre a pequena igreja do início do séc. XVII e o centro da cidade. Era uma subida abrupta, mas vindos de Salvador esta diferença de cota parecia adoçada... Mas nas sua encosta inúmeras casas formavam uma paisagem tipo presépio: entre vegetação e caminhos tortuosos aquelas casas, em jeito de desafiar a topografia, formavam uma parede porosa esculpida no monte. Decerto que os habitantes necessitariam de conhecimentos complexos em engenharia para produzirem tais construções.
Voltámos de autocarro para o hotel e apanhámos o n. “Canal 1” !! Também os autocarros eram organizados pelos números dos Canais !
No caminho para o hotel notamos no quanto o pavimento de calçada portuguesa era variado em padrões e motivos! Em todas as ruas, ruelas, avenidas, largos e praças esta técnica e ornamento era omnipresente. Na cidade nova todo o espaço urbano tinha sido concebido em pavimento de calçada portuguesa ! A “onda” era o motivo favorito destes passeios. Isto fez-me lembrar o Rossio, em Lisboa. Estava frio e já o sol se tinha posto há muito. A cidade parece vazia, sem gente a circundar... Era também tempo de voltar para o Hotel.