Monday, August 13, 2007

13.08.2007 (segunda-f) – De partida para Santos

Acordámos com a prioridade de ir ao convento da Penha, pois sabíamos que iríamos demorar tempo a lá chegar. O nosso avião estava reservado para as 14.20. Tínhamos também de ir à Biblioteca da Universidade do Estado Federal do Espírito Santo para consultar cartografia acerca de Vitória que nos pudessem confirmar aquela matriz perceptual, que acreditava ser a base de organização da cidade.
Quando chegámos ao sopé da montanha para o Convento da Pena seguimos para a “Ladeira da Penitência”. Era exactamente como o nome ! Penso que nunca tinha subido uma ladeira tão longa e íngreme como aquela. O caminho de pedra escura (“cabeça de negro”) ladeado por muros pintados a tinta branca dava-lhe uma qualidade escultural imensa. Parecia um caminho que irrompia a floresta densa do monte. Pássaros e macacos saguins pulavam à nossa volta e excertos de orações pintados em tábuas de madeira seguiam no caminho. Quando chegámos ao topo o convento assentava na continuação da rocha, numa pequeno extensão ainda mais alto que o topo e mais perto das nuvens. Dali a vista era magnífica sobre Vitória. Enquanto caminhávamos para a borda da montanha múltiplos saguins acompanhavam os nossos passos. Sentaram-se também no terreiro como se também estivessem a olhar sobre Vitória. Quando entrámos na pequena Igreja do Convento inúmeras placas colavam-se às paredes a agradecer os milagres que Nª Senhora da Pena tinha feito. As datas iniciavam-se desde 1900 até aos anos de hoje. E no corredor pinturas muito antigas da fundação do Convento exibiam-se sem guarda nem desconfiança. Do Convento podia-se ver tudo o que nos circundava para além da cidade de Vitória. Como uma torre de vigia os monges podiam controlar o mar e exibir-se para quem navegava, ver a cidade, a baía e a floresta atrás de Vitória. Isto fez-me perguntar se por acaso os conventos também ofereciam funções de vigia. Aquele era o local mais alto naquela topografia, mais perto do céu e, mais perto de Deus.
Chegámos ao hotel com as pernas a doer pela caminhada na “Ladeira da Penitência”. Penso que tínhamos purgado os nossos pecados para um bom par de anos....
Um taxista estava à nossa espera no hall de entrada enquanto eu tentava procurar numa loja de livros usados alguma história sobre Vitória. O tempo não tinha sido muito em Vitória e o mesmo aconteceria para Santos já que Rio, pela escala e pela informação acumulada em museus e bibliotecas, ira-nos ocupar muito tempo.
Quando entrámos no Táxi e anunciámos o nosso destino, a biblioteca da Univ. Federal do Espírito Santo o taxista disse-nos que o seu tetravô era Português: “reconheço bem esse sotaque” dizia ele. Sempre pensei que o português brasileiro é que tinha sotaque e não o português-português.... Engraçado como as considerações são facilmente trocadas conforme o contexto geográfico onde nos encontramos. Na viagem falou-nos de Vitória e da crescente economia associada à forte industria e ao crescente Turismo de negócio “em vez de lazer”, para o qual Vitória está a construir um novo Aeroporto Internacional. Assim como tínhamos notado quando chegámos, Vitória tem vindo a desenvolver-se imenso; é independente economicamente do Estado pela existência de próspera industria de café, agro-pecuária, minério e extracção de pedra (mármore e granito). A indústria do café, “trazido pelos portugueses”, como sublinhava, tem-se estado a mudar mais para a montanha onde é mais frio, já que nos últimos 20 anos a temperatura tem aumentado cerca de 5 graus. Porém, o nível de indústria, sobretudo mineira, tem produzido elevados níveis de poluição na cidade. Na praia de Camburi, com magníficas vistas para a baía e para as diversas ilhas que pixelam o mar, existem campeonatos mundiais de volley e futebol de praia sem no entanto se puder nadar no mar. Os níveis de mercúrio são elevados e poucos banhistas se arriscam a nadar. Enquanto isso, ao longe, o porto carrega o minério para colossais navios de carga prestes a partir para os mercado internacionais; e gigantes chaminés descarregam densas nuvens de fumo branco para a atmosfera.
Adiante favelas que espreitavam do alto dos montes pareciam mais dignificadas que as outras favelas até então identificadas noutras cidades. O taxista, chamado Walter, falo-nos de que a municipalidade tem um programa especial de re-inclusão destas áreas na cidade. Para tal cede gratuitamente tinta e cimento para o acabamento exterior das casas. Assim cada residente ficará responsável pela requalificação da sua própria residência. De acordo com o Walter este programa tem possibilitado algumas mudanças nessas áreas com reflexos sobretudo na sua dinâmica social. Aumentar o orgulho dos seus residentes parecia o objectivo prioritário.
Quando chegámos à Biblioteca havia um sinal a indicar a greve em percurso. Perguntei a uma estudante o que se passava. Disse-me que o pessoal estava em greve há cerca de 2 meses ! Como será possível uma Universidade funcionar sem uma Biblioteca ? Apesar da minha frustração decidimos tentar a sorte na Biblioteca Pública Estadual. Ao guiarmos pela cidade eram óbvios os eixos visuais às exuberâncias geográficas da baía de Vitória. De certa forma a cidade nova de expansão tinha capturado as premissas perceptuais da velha Vitória. As Avenidas NS da Penha, Av. Leitão da Silva, etc., alinhavam-se na topografia e revelavam a dramática Natureza de Vitória. Esta relação perdeu-se no centro histórico de Vitória mas foi reposto na “nova” Vitória.

Quando chegámos à Biblioteca notamos que estava em remodelação e, por isso, fechada ! Onde se viu uma cidade desta extensão sem uma biblioteca ? Estava completamente frustrada, já que tínhamos decidido ficar mais um dia em Vitória para essa tarefa.... O Taxista foi extremamente atencioso pois procurava encontrar alternativas a todo o custo. Foi em vão. Decidimos ir para o aeroporto e esperar pelo nosso voo.

Voamos de Vitória para o Rio de Janeiro e de lá tínhamos de comprar os bilhetes de para São Paulo de onde seguiríamos para Santos em “onibûs”. Muito complicado ! Chegaríamos tarde a Santos e seria aconselhável a reservar um hotel para onde nos pudéssemos dirigir assim que chegássemos. Mas não foi fácil pois os nossos guias de viagem não continham informação suficiente acerca de Santos !
E mais uma vez o meu coração palpitava em jeito de antecipação do voo através de São Paulo !
Quando chegámos à Rodoviária de São Paulo estava a relembrar a experiência em Nova Olinda: uma estrutura imensamente defensiva e hostil. Porém, foi uma experiência completamente diferente já que a Rodoviária era suficientemente acolhedora, extremamente iluminada, eficiente e com design moderno. Filas de gente aguardavam “onibus” para as redondezas de São Paulo e uma fila pequena organizava-se no sinal para Santos. Eram 9.30 da noite e esta estava cerrada, como se estivesse prestes a desabar chuva forte.
Levámos algum tempo até que o autocarro saísse da cidade e surpreendemente a infra-estrutura de transporte entre São Paulo e Santos revelou-se incrivelmente moderna e ambiciosa comparada com a infra-estrutura viária do Nordeste. Lembro-me do Sr. Baiano, um taxista em Olinda, nos ter falado do quanto o governo investe no Estado de São Paulo e nada Nordeste. Isto porque grande parte das cargas e poder económico se localiza entre São Paulo e Santos, um dos maiores portos do Brasil.

A caminho de Santos parecia que estava a cruzar os Alpes. Os meus ouvidos sofriam a pressão da imensa variação de elevação. Cruzámos o parque estadual da Serra do Mar e um denso nevoeiro estava a acompanhar a nossa descida até ao nível do mar. Essa descida acontecia em vias dedicadas somente a autocarros e camiões. O tráfego automóvel acontecia noutras vias.
Quando chegámos a Santos, à Rodoviária tivemos de perguntar aos taxistas se nos recomendavam algum hotel. Estes imediatamente desaconselharam a ficar no centro já que somente as prostitutas ocupavam os quartos por algumas horas. Perante este “visão” decidimos ir para Gonzaga, a área de expansão nas costas do centro antigo da cidade perto da praia. Ali haviam muitos hotéis onde puderíamos ficar. Enquanto nos dirigíamos para Gonzaga, reparámos na existência de canais de água. Que me lembre Santos não tinha sido invadida por Holandeses e nunca tinha reparado em nenhum mapa na existência destes canais. Diversos canais cortavam a cidade no sentido Norte-Sul, entre o estuário fronteiro à cidade antiga e o Oceano Atlântico.
Perguntei ao taxista que canais eram aqueles. Ele disse que eram “os Canais de Santos. Aquele era o Canal 1 e o anterior era o Canal 3 e existiam mais 7 daqueles.” Os canais intercalam-se com avenidas. Santos “é conhecida como a cidade dos canais” o taxista acrescentou ! Interessante, pois até então era uma situação única em comparação às cidades que tínhamos visitado...
Ficámos instalados num hotel de nome bem Português, “Hotel Caravelas”, no primeiro bloco da praia em frente ao Canal 1. Já era tarde e haviam poucos restaurantes abertos, bem como poucas pessoas na rua. Desde Natal, a cidade mais a norte e mais perto do equador a temperatura tem vindo a diminuir gradualmente para Sul, na direcção da nossa viagem. A brisa fresca indiciava a chuva que estava para vir. Era tempo de encontrar algum aperitivo rápido para jantar e caminhar de volta para o hotel.