Friday, August 3, 2007

03.08.2007 (sexta-f.) - As Praças de Natal

No quarto do novo hotel, agora localizado na cidade alta, o respirar da rua invadia abruptamente sem pedir licença. Parecia que o mercado mensal acontecia em frente à nossa janela pela ferocidade de sons, musica, anúncios, carros, vozes..
Era somente mais um dia para a gente do Natal e a música era mais outro alguém: movia-se em todas as direcções, tons, cores e alturas. Era omnipresente. O pequeno almoço acontecia numa espécie de miradouro para a cidade, para o Rio e para as Salinas (a outra margem do rio). Os telhados de telha vermelha ofereciam-nos uma paisagem contínua de tons de terra escura, modulada pelas variações da topografia. O contraste do vermelho e do verde, da compacta vegetação das Salinas, era intenso. A encimar este contraste o pináculo da Igreja de Sto. António lembrava simultaneamente a hierarquia espiritual e espacial na história da cidade.

O dia teve se ser organizado de forma a que pudéssemos recolher a informação necessária ao entendimento da evolução urbana de Natal, sobretudo ao papel das praças na estruturação da cidade. Fomos à Municipalidade, ao Solar João Galvão, ao Instituto Cultural, ao Instituto Histórico e Geográfico e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Neste, um antropólogo, que insistia em chamar-me de “professora”, falou-nos das 36 cores de pele existentes no Brasil como resultado da hibridação entre portugueses, índios e africanos. Como é possível chegar a um numero tão preciso na análise de cor ? Como é que o bronzeado, que é sazonal, entra nesta contabilização ?

A informação nestes institutos não era muito abundante. Fotografias exibiam-se nas paredes do Instituto cultural e mapas escasseavam para explicar compreensivamente como a cidade evoluiu. Mas, nos poucos mapas que existiram, era clara a presença das 4 largos­/praças desde a fundação da cidade, na linha de cumeeira da topografia. Haviam 3 áreas ou funções repartidas entre a Cidade Alta e Ribeira. O porto desenvolvia-se na margem da Rio (Ribeira), a administraçao desenvolvia-se ao longo da Avenida Junqueira e Cidade Alta e o religioso localizou-se na Cidade Alta. A praça Augusto Severo, outrora cenário para comércio e troca de bens, articulava a Cidade Alta com a Ribeira; a Praça 7 de Setembro terminava a Av. Junqueira e rematava o eixo administrativo com a municipalidade (outrora Palacio Felipe Camarão) ; a Praça André Albuquerque está de face com a Catedral; a Praça João Tinoco remata o eixo Pinto R. De Pe, âncora do civil nesta sequência. Esta última praça destaca-se por ter no seu centro uma cisterna. É simultaneamente cívica e infra-estrutural, característica no modo português de fazer espaço público ! Muito interessante para mim ter descoberto este elemento, pois voltava à reflecção anterior quando lia a revista da TAM...

Tinha trazido a câmera de filmar pois acredito no potencial do vídeo como o meio representativo de melhor expressa, tectonicamente, o espaço urbano feito de cinemática e som. Representa simultaneamente um espaço real e imaginado que é reconstruindo pelo observador. Fala de ambiente e narrativa, de espaço e tempo, de som e matéria . Acredito que o vídeo é o modo representativo da cidade do século XXI. Quando começámos a filmar eram 17.30. Já era quase de noite, já que no Brasil é “Inverno” e escurece cedo. Tínhamos de recomeçar no dia seguinte. Em vez de irmos para Olinda de manhã teríamos de abalar mais tarde, no autocarro das 15.00. Chegaríamos a Recife por volta das 20.00.

Quando nos dirigíamo-nos para o hotel, encontrámos o Convento de Sto António cheio de gente. A missa das 18.00 estava prestes a começar. A cerimónia era feita 3 vezes por dia: às 8.00, 12.20 e 18.00 e mesmo assim a Igreja estava a abarrotar. Pessoas estavam no adro a assistir à missa e filas de carros estavam estacionados uns a trás dos outros. Isto lembrava-me o quando o Brasil é ainda um país submergido pela religião católica alimentado pelo desejo de uma vida melhor.