12.08.2007 (domingo-f)- Em Vitória
Nessa manhã estava a chover. As manhãs tendem a ser chuvosas no Inverno do Brasil inversamente às tardes que se desembrulham solarengas e quentes até por volta das 17.00 quando o sol se põe.
A janela da sala do pequeno almoço abria-se para a rua Duque de Caxias que liga a Praça Costa Pereira com o Palácio Anchieta, rua escavada na inclinação da “cidade alta”. Nesta rua via-se uma fileira de edifícios comerciais erguidos da década de 50 que muito me lembravam edifícios que Cassiano Branco construiu em Lisboa, tal como e, ironicamente, o hotel Vitória. Quando saímos do Hotel o céu já estava claro e o sol brilhava. Porém não avistámos ninguém nas ruas. O centro parecia completamente inabitado.
O mapa do Guide book ajudou-nos a encontrar o caminho até à Igreja de São Gonçalo, erguida num barroco humilde fundada do séc. XVII. Do interior da Igreja cânticos anunciavam o findar da cerimónia religiosa e cerca de 6 pessoas já se aglomeravam no adro a combinar o sítio para o almoço que se seguia. Do adro imaginava-se a vista que uma vez existiu e que hoje se interrompe por edifícios altos e descaracterizados fruto da ambição especulativa e modernista das décadas de 60. De dentro da Igreja uma rapariga com um craxá “Projecto Visitar” convidava-nos a entrar para visitar a Igreja. O “Projecto Visitar” é uma iniciativa da municipalidade em educar jovens no Verão para que eles possam vigiar o património contra roubos durante o dia ao mesmo tempo que os apresentam aos visitantes. Achei muito interessante esta iniciativa pelo facto de acumular uma acção social ao mesmo tempo educativa e cultural. A municipalidade de Vitória parece investida não só na recuperação do escasso património do centro histórico que restou da “limpeza” urbana do séc. XX como também imbuída em objectivos sociais (que muito escassa no Brasil).
Orlando era um dos mentores deste projecto. Ele estava a finalizar a licenciatura em História para que, mais intensamente, se pudesse dedicar a este projecto. Ele preparava-se para encerrar a Igreja de São Gonçalo quando nos viu entrar. A sua recepção foi extremamente calorosa. Afinal, visitantes de fora não parecia coisa corrente naqueles dias. Orgulhoso da cidade onde vive e de todo o trabalho de recuperação que tem vindo a ocorrer no seu centro, Orlando parecia acumular todo o saber acerca de Vitória e da sua história. “Vitória é linda” dizia ele constantemente. Pudemos comprovar isso pelos livros de fotos antigas de Vitória que nos mostrava cuidadosamente uma a uma: uma complexa natureza feita de múltiplas ilhas, ilhéus, penedos, montes, escarpas, floresta, baías e mar interligados com ruas, praças e edifícios... Eram fotos da Vitória colonial antes da renovação urbana feita no início do século quando a chegada do comboio e antes do boom de construção na década de 50. Nós podíamos vislumbrar o encanto que esta natureza tenha motivado nos navegadores quando chegaram a esta baía. Acredito que nem só por motivos estratégicos os lugares para a fundação de capitanias e cidades eram escolhidos. Decerto que a imponência e beleza da paisagem exerceu um importante papel na escolha dos primordiais locais de fundação. Talvez por isso Vitória se tenha desenvolvido primariamente em vez de Vila Velha, local inicial de implantação.
Vitória é de uma beleza natural imensa. A sua paisagem dominada por acidentes da Natureza são únicos: as montanhas de rocha sólida cinzenta, maciços vegetais, inúmeras baías e ilhas distintas parecem fazer parte da identidade desta cidade. Porém este “património” parece ter desaparecido no sentir e fazer da cidade actual. A paisagem dominava física e perceptualmente a cidade colonial. Os morros são imponentes e as vistas que a cidade colonial oferecia eram de uma beleza distinta, próxima do sublime. Agora este sistema foi mudado por uma porção de “prédios gigantes e de barulho sonoro” como Orlando descrevia. As múltiplas fotografias dos antes e depois que Orlando nos mostrava revelou subitamente um sistema único até então: uma matriz perceptual.
A cidade colonial parece ter sido desenvolvida rápido e consistentemente. Acredito que foi estabelecida esta matriz perceptual na qual os acidentes da natureza ofereciam cenários, monumentos e fim de vistas para a cidade. Os elementos naturais da paisagem eram axialmente colocados na matriz urbana tal como totens, altares ou monumentos ! Esta estratégia urbana dignificava o que de mais impressionante e excepcional acontecia na paisagem. Isto lembrou-me que a cidade não é somente feita de edifícios, programas, infra-estruturas, grelhas ou espaço cívico mas também de um lado perceptual que a natureza tem a capacidade de oferecer. O sistema visual e perceputal é igualmente determinador na forma urbana. A anticipar o sistema barroco do séc. XVIII, sem eixos nem construções monumentais, a Natureza oferecia o seu equivalente determinantes para a malha urbana em Vitória.
A cidade de Vitória foi moldada para acomodar aquela Natureza !
Hoje, o centro histórico de Vitória perdeu essa relação profunda com a Natureza envolvente. O desejo em se tornar uma cidade moderna (em vez de colonial) não foi sensível a este aspecto imaterial que considero de fundação de Vitória. Hoje conservam-se edifícios e praças por serem antigos e por serem considerados património. Mas não deveriam ser aquelas relações visuais ( e espirituais ?) também consideradas património ? Houve um lado imaterial que foi completamente ignorado e que em muito apaziguo a Identidade de Vitória...
Orlando guiou-nos até a alguns pontos de onde essas vistas existiam e, que hoje, somente aos edifícios de 12 andares (que as interrompem) lhes é concedido esse privilégio !
Mais uma vez, perto da praça Costa Pereira, encontrámos o único restaurante aberto no centro. Um “Grill” com imensos doces expostos na primeira fila. Que eu saiba o açúcar não se tinha implantado tão proficuamente em Vitória. Os índios tinha oferecido uma resistência muito violenta e o conjunto montanhoso nas costas de Vitória não ofereciam as melhores condições à prática da agricultura.
Tínhamos reparado que a encimar um dos montes dominantes de Vitória, no outro lado da Baía, existia um convento: Convento da Pena. De lá a vista para Vitória deveria ser fabulosa. Como já eram 16.00 decidimos apanhar um táxi para nos levarmos rápido até lá. Atravessámos Vila Velha pela 2ª ponte (Vitória tem 3 pontes), por terras outrora ocupados por mangues e por ilhas agora inexistentes.
Vitória tinha sofrido uma série de aterros que tinham alterado a sua linha de água para acomodar um porto em extensão. Hoje localiza-se na base do Penedo, antigamente chamado o “pão de açúcar”, tal como o do Rio de Janeiro. Esta localização em muito danifica o ar solene do Penedo pela quantidade de guindastes e navios que ali se instalam...
Vila Velha parecia mais genérica do que Vitória. Apesar da maior densidade parecia que estávamos a cruzar áreas de subúrbio feitas de barracas de tijolo aparente e de ruas de terra batida. Porém, parecia mais organizada pois tinha um acabamento “próximo de acabado”...
Quando chegámos ao Convento já estava fechando. Decidimos ficar por ali e andar até ao autocarro que nos levaria de volta para Vitória. Ao cruzar a 3ª ponte a baía foi-nos oferecida ao poucos em ambos os lados da ponte. A escala da baía era imensa e a linha de água feita de múltiplas pequenas baías ocupadas irregularmente. Esta passagem pareceu-nos longa. Longa tal como a baía...
Nessa manhã estava a chover. As manhãs tendem a ser chuvosas no Inverno do Brasil inversamente às tardes que se desembrulham solarengas e quentes até por volta das 17.00 quando o sol se põe.
A janela da sala do pequeno almoço abria-se para a rua Duque de Caxias que liga a Praça Costa Pereira com o Palácio Anchieta, rua escavada na inclinação da “cidade alta”. Nesta rua via-se uma fileira de edifícios comerciais erguidos da década de 50 que muito me lembravam edifícios que Cassiano Branco construiu em Lisboa, tal como e, ironicamente, o hotel Vitória. Quando saímos do Hotel o céu já estava claro e o sol brilhava. Porém não avistámos ninguém nas ruas. O centro parecia completamente inabitado.
O mapa do Guide book ajudou-nos a encontrar o caminho até à Igreja de São Gonçalo, erguida num barroco humilde fundada do séc. XVII. Do interior da Igreja cânticos anunciavam o findar da cerimónia religiosa e cerca de 6 pessoas já se aglomeravam no adro a combinar o sítio para o almoço que se seguia. Do adro imaginava-se a vista que uma vez existiu e que hoje se interrompe por edifícios altos e descaracterizados fruto da ambição especulativa e modernista das décadas de 60. De dentro da Igreja uma rapariga com um craxá “Projecto Visitar” convidava-nos a entrar para visitar a Igreja. O “Projecto Visitar” é uma iniciativa da municipalidade em educar jovens no Verão para que eles possam vigiar o património contra roubos durante o dia ao mesmo tempo que os apresentam aos visitantes. Achei muito interessante esta iniciativa pelo facto de acumular uma acção social ao mesmo tempo educativa e cultural. A municipalidade de Vitória parece investida não só na recuperação do escasso património do centro histórico que restou da “limpeza” urbana do séc. XX como também imbuída em objectivos sociais (que muito escassa no Brasil).
Orlando era um dos mentores deste projecto. Ele estava a finalizar a licenciatura em História para que, mais intensamente, se pudesse dedicar a este projecto. Ele preparava-se para encerrar a Igreja de São Gonçalo quando nos viu entrar. A sua recepção foi extremamente calorosa. Afinal, visitantes de fora não parecia coisa corrente naqueles dias. Orgulhoso da cidade onde vive e de todo o trabalho de recuperação que tem vindo a ocorrer no seu centro, Orlando parecia acumular todo o saber acerca de Vitória e da sua história. “Vitória é linda” dizia ele constantemente. Pudemos comprovar isso pelos livros de fotos antigas de Vitória que nos mostrava cuidadosamente uma a uma: uma complexa natureza feita de múltiplas ilhas, ilhéus, penedos, montes, escarpas, floresta, baías e mar interligados com ruas, praças e edifícios... Eram fotos da Vitória colonial antes da renovação urbana feita no início do século quando a chegada do comboio e antes do boom de construção na década de 50. Nós podíamos vislumbrar o encanto que esta natureza tenha motivado nos navegadores quando chegaram a esta baía. Acredito que nem só por motivos estratégicos os lugares para a fundação de capitanias e cidades eram escolhidos. Decerto que a imponência e beleza da paisagem exerceu um importante papel na escolha dos primordiais locais de fundação. Talvez por isso Vitória se tenha desenvolvido primariamente em vez de Vila Velha, local inicial de implantação.
Vitória é de uma beleza natural imensa. A sua paisagem dominada por acidentes da Natureza são únicos: as montanhas de rocha sólida cinzenta, maciços vegetais, inúmeras baías e ilhas distintas parecem fazer parte da identidade desta cidade. Porém este “património” parece ter desaparecido no sentir e fazer da cidade actual. A paisagem dominava física e perceptualmente a cidade colonial. Os morros são imponentes e as vistas que a cidade colonial oferecia eram de uma beleza distinta, próxima do sublime. Agora este sistema foi mudado por uma porção de “prédios gigantes e de barulho sonoro” como Orlando descrevia. As múltiplas fotografias dos antes e depois que Orlando nos mostrava revelou subitamente um sistema único até então: uma matriz perceptual.
A cidade colonial parece ter sido desenvolvida rápido e consistentemente. Acredito que foi estabelecida esta matriz perceptual na qual os acidentes da natureza ofereciam cenários, monumentos e fim de vistas para a cidade. Os elementos naturais da paisagem eram axialmente colocados na matriz urbana tal como totens, altares ou monumentos ! Esta estratégia urbana dignificava o que de mais impressionante e excepcional acontecia na paisagem. Isto lembrou-me que a cidade não é somente feita de edifícios, programas, infra-estruturas, grelhas ou espaço cívico mas também de um lado perceptual que a natureza tem a capacidade de oferecer. O sistema visual e perceputal é igualmente determinador na forma urbana. A anticipar o sistema barroco do séc. XVIII, sem eixos nem construções monumentais, a Natureza oferecia o seu equivalente determinantes para a malha urbana em Vitória.
A cidade de Vitória foi moldada para acomodar aquela Natureza !
Hoje, o centro histórico de Vitória perdeu essa relação profunda com a Natureza envolvente. O desejo em se tornar uma cidade moderna (em vez de colonial) não foi sensível a este aspecto imaterial que considero de fundação de Vitória. Hoje conservam-se edifícios e praças por serem antigos e por serem considerados património. Mas não deveriam ser aquelas relações visuais ( e espirituais ?) também consideradas património ? Houve um lado imaterial que foi completamente ignorado e que em muito apaziguo a Identidade de Vitória...
Orlando guiou-nos até a alguns pontos de onde essas vistas existiam e, que hoje, somente aos edifícios de 12 andares (que as interrompem) lhes é concedido esse privilégio !
Mais uma vez, perto da praça Costa Pereira, encontrámos o único restaurante aberto no centro. Um “Grill” com imensos doces expostos na primeira fila. Que eu saiba o açúcar não se tinha implantado tão proficuamente em Vitória. Os índios tinha oferecido uma resistência muito violenta e o conjunto montanhoso nas costas de Vitória não ofereciam as melhores condições à prática da agricultura.
Tínhamos reparado que a encimar um dos montes dominantes de Vitória, no outro lado da Baía, existia um convento: Convento da Pena. De lá a vista para Vitória deveria ser fabulosa. Como já eram 16.00 decidimos apanhar um táxi para nos levarmos rápido até lá. Atravessámos Vila Velha pela 2ª ponte (Vitória tem 3 pontes), por terras outrora ocupados por mangues e por ilhas agora inexistentes.
Vitória tinha sofrido uma série de aterros que tinham alterado a sua linha de água para acomodar um porto em extensão. Hoje localiza-se na base do Penedo, antigamente chamado o “pão de açúcar”, tal como o do Rio de Janeiro. Esta localização em muito danifica o ar solene do Penedo pela quantidade de guindastes e navios que ali se instalam...
Vila Velha parecia mais genérica do que Vitória. Apesar da maior densidade parecia que estávamos a cruzar áreas de subúrbio feitas de barracas de tijolo aparente e de ruas de terra batida. Porém, parecia mais organizada pois tinha um acabamento “próximo de acabado”...
Quando chegámos ao Convento já estava fechando. Decidimos ficar por ali e andar até ao autocarro que nos levaria de volta para Vitória. Ao cruzar a 3ª ponte a baía foi-nos oferecida ao poucos em ambos os lados da ponte. A escala da baía era imensa e a linha de água feita de múltiplas pequenas baías ocupadas irregularmente. Esta passagem pareceu-nos longa. Longa tal como a baía...
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