Monday, August 6, 2007

06.08.2007 (segunda-f) – Algumas horas em Recife

Acordámos com os sinos das Igrejas a anunciar o dia da salvação de Olinda. Hoje era feriado pela comemoração de um dia santo na cidade e, por isso, os museus e instituições estariam fechados. Para obtermos alguma informação iconográfica acerca de Olinda, e mais precisamente da sua evolução urbana, teríamos de ir a Recife. Era importante verificarmos se a nossa ideia acerca da organização de Olinda por catalizadores estaria correcta. Isto obrigou-nos a ficar mais um dia em Olinda e ir a Recife.
Numa Pousada, no dia anterior, tínhamos notado num livro chamado “Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial”. Ali, imensa iconografia de diversas cidades fundadas no século XVI, estava reunida. Pertencia a uma extensa colecção de publicações lançadas há 7 anos aquando a celebração dos 500 anos da descoberta do Brasil. É impressionante a quantidade e qualidade de mapas que os portugueses elaboraram. Mapas lindíssimos onde precisão e fantasia se misturam na produção de um documento rico em informação acerca da paisagem, topografia, marés, vegetação. Pela observação, identificação e registo fomos capazes de criar um espólio imenso de mapas (na definição de Deleuze).

Disseram-nos que possivelmente podíamos encontrar esse livro em Recife, na livraria Cultura, frente ao Shoping Alfândega. Existem tantos “shoppings” no Brasil... Recife ofereceu-nos uma paisagem industrial feita de fábricas e armazéns ao longo de estradas de terra batida. Homens montavam as suas bicicletas com apetrechos que possibilitavam carregar uma multitude de materiais e objectos. Crianças aglomeravam-se nas luzes dos semáforos a pedir moedas ou a vender laranjas ressequidas. A livraria “Cultura” era um espaço sofisticado e cheio de publicações recentes. Parecia a FNAC da cidade. Infelizmente não tinha o livro e, surpreendemente, todos os livros tinham um preço altíssimo sobretudo na secção de Arquitectura e Urbanismo. Não imagino um estudante de Arquitectura (considerando o baixo rendimento de uma família de classe média) ter fácil acesso a estes. Só um livro de Paulo Mendes da Rocha custava 150 Reais... Tentámos encontrar um mapa no posto de turismo para nos pudermos guiar na cidade. Edifícios no centro histórico esperam por obras de renovação que se anunciavam há tempos e acidentes no pavimento aconteciam uns atrás dos outros. Os investimentos tinham-se dirigido para as zonas turísticas adjacentes à praia, tais como Praia da Boa Viagem e da Piedade. Acabámos por nos dirigirmos para o Recife, na outra margem do baía, outrora a cidade chamado Mariana e fundado por Holandeses... Muita informação havia acerca do urbanismo holandês, porém muito pouco acerca do urbanismo Português...
Ao percorrermos a Rua do Imperador identificámos a Biblioteca da Língua Portuguesa, um edifício de estilo neo-clássico. Nela um brasão português destacava-se no final das escadas. O nosso impulso foi entrar pois talvez ali pudéssemos encontrar algumas publicações que falassem da história de Olinda. Encontrámos pouca coisa. A biblioteca parecia parada no tempo. Os livros eram poucos e acusavam uma idade e uso avançado. Mas de lá informaram que na Biblioteca do Estado do Recife, na praça 13 de Maio, poderíamos encontrar mais informação útil.

Para nós foi uma forma de circularmos na cidade e também notar que os edifícios e espaço público encontram-se degradados e que o Rio Capibaribe e canais estão com elevados níveis de poluição. Porém, é de notar a efervescência comercial da cidade. Na rua Imperatriz e Rua 7 de Setembro a actividade é intensa nas ruas. Em todas as lojas, esquinas e nos passeios barraquinhas informais fazem os seus negócios: comida, DVD´s, CD´s, cigarros, cintos, malas, carteiras... Tudo é vendido de uma forma informal e, informalmente, os preços são estabelecidos por negociação.

Na Biblioteca do Estado do Recife a secção dos mapas já estava encerrada. Somente a sala de leitura estava acessível. Mas foi-nos possível encontrar alguma iconografia acerca de Olinda. Mais uma vez foi de notar a escassa iconografia produzida por autores Portugueses; o inverso para os autores Holandeses. Mariana foi fundada por Nassau, um Holandês que procurava conquistar muitas das cidades estabelecidas por Portugueses para controlar a produção de açúcar que trazia imensa riqueza ao Império. Para que pudessem atacar estrategicamente os Holandeses e Franceses desenvolveram uma multitude de mapas da costa do Brasil onde as bases de colónias Portugueses já se desenvolviam activamente, tais como Natal, Olinda, Salvador, Vitória... O que foi estranho foi notar que com quase toda a gente que falei nas bibliotecas parece existir um orgulho particular no tempo da história em que Recife esteve no controle dos Holandeses. “Eles construíram muito”... “e bem !”... Não sei o que queriam dizer com isso considerando o estado dalguma decadência da cidade....Talvez era uma história de excepção da qual eles se orgulhavam...
Quando fomos para Olinda já era noite, 20.00 horas, pois a biblioteca estava fechando. Pegamos um táxi e mais uma vez a paisagem urbana oferecida era de imensa degradação. Entre Nova Olinda e Recife existe uma infindável extensão de favelas ao longo das estradas e colinas. Um cenário que à noite se agudiza... Parecem montanhas feitas de tijolo aparente com buracos donde irrompem luzes filtradas por lençóis de plástico que evitam a entrada da chuva que cai. Ninguém diz nada, o taxista por hábito, talvez, e nós, por falta de um pensamento válido. Por grave ironia pensei no meu iPod que deixei em casa, com medo de perder toda a minha colecção de música se, por acaso, fosse roubado. Que sociedade de consumo esta que é simultaneamente uma prisão, um bem e um castigo para muitos ? Tenho notado nos inúmeros anúncios de frigoríficos e fogões que são expostos em muitas casas de comercio, vendidos às prestações como se fossem o bem de maior necessidade. Em NY, em vez disso, cartazes do novo iPhone exibem-se nas ruas e filas de gente esperam na loja do Soho este telefone de última geração, top design e “touch-on-screen”.